O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA OS ESTUDANTES COM ALTAS HABILIDADES/ SUPERDOTAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE ESSA INTERVENÇÃO

THE SPECIALIZED EDUCATIONAL CARE FOR THE STUDENTS WITH HIGHLY DEVELOPED ABILITIES/GIFTEDNESS: REFLECTIONS ABOUT THIS INTERVENTION

Nara Joyce Wellausen Vieira18

Resumo

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, procurando na literatura obras e pesquisadores que abordam a temática, tais como Gardner, Renzulli, Renzulli e Wett, Freitas, Alencar e Fleith, dentre outros. | 113 Nesse sentido, inicia-se apresentando as concepções teóricas que alicerçam o conceito de quem são esses sujeitos e quais são suas características e necessidades educacionais. Focaliza-se, em seguida, as etapas do atendimento destacando-se os processos de enriquecimento curricular e os atos ideais de aprendizagem como pilares do AEE para esses alunos, e que pode ser realizado na sala de aula ou na sala de recursos multifuncional. Conclui-se destacando que o AEE para esse grupo social deve estar integrado ao contexto do projeto educativo da escola e não ser encarado como uma atividade extracurricular com objetivo meramente lúdico ou ocupacional, além de destacar alguns princípios básicos para tal.

Palavras-chave: Educação Especial. Altas Habilidades/Superdotação. Atendimento Educacional Especializado.

Abstract

The methodology used was the bibliographic research, seeking in the literature some work and research that approach the thematic, such as Gardner, Renzulli, Renzulli and Wett, Freitas, Alencar and Fleith, among others. In this sense, we begin presenting the theoretical conceptions which support the concept of who are these subjects and which are their characteristics and educational necessities. We focus, then, on the steps of the care highlighting the processes of curricular enrichment and the ideal acts of learning as pillars of AEE for these students, and that can be performed in the classroom or in the multi-functional resources room. We conclude highlighting that the AEE for this social group must be integrated to the context of the educative project of the school and not be faced as an extra-curricular activity aiming at an objective merely entertaining or occupational, besides highlighting some basic principles for this.

Keywords: Special Education. Highly Developed Abilities/Giftedness. Specialized Educational Care.

18 Professora Adjunta do Departamento de Educação Especial, do Centro de Educação na Universidade Federal de Santa Maria. Área de estudo e pesquisa: Educação da Pesssoa com Altas Habilidades/Superdotação. najoivi@gmail.com

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ANTES DE INICIAR AS REFLEXÕES: UMA INTRODUÇÃO

A preocupação pelo atendimento às Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), no Brasil, iniciou-se na década de 1930, com Leoni Kassef e Helena Antipoff, com a proposição de algumas estratégias que contemplavam esse público-alvo da educação especial. Desde esse período, propostas de atendimento foram se desenvolvendo aleatoriamente. Nesses 88 anos de história da educação das pessoas com AH/SD, no Brasil, alguns avanços importantes foram implementados, principalmente de 2005 em diante, com a proposta de criação dos Núcleos de AH/SD nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. No entanto, apesar desses esforços, o atendimento educacional especializado (AEE) para esses estudantes ainda está engatinhando, pois muitos são os problemas que rondam essa área.

O atendimento educacional especializado (AEE) a esse grupo social, deve estar integrado ao projeto educativo da escola e não ser encarado como uma atividade com objetivo meramente lúdico ou ocupacional. Duas grandes ações compõem o AEE dos estudantes com AH/SD: o processo de identificação e a intervenção por meio do enriquecimento intra e extracurricular. Nesse sentido, contribuindo para melhor conhecimento sobre as AH/SD e o planejamento efetivo do AEE, organizou-se esse texto da seguinte maneira: inicialmente se problematiza quem são as pessoas com AH/SD, analisando a questão da terminologia, apresentando as teorias subjacentes às atividades com esses sujeitos. Em continuidade às discussões, examina-se o atendimento educacional a esses alunos. Concluem-se essas reflexões, abordando alguns aspectos importantes discutidos ao longo do texto. A metodologia utilizada para elaboração desse artigo foi a da pesquisa bibliográfica, elencando na literatura trabalhos científicos que abordavam a temática, subsidiando-o com dados atuais e relevantes e com a experiência da autora.

QUEM SÃO OS ESTUDANTES COM AH/SD?

No Brasil, é comum questionar a necessidade do atendimento aos alunos com AH/SD, com a justificativa de que esse grupo social é privilegiado e não necessita de atendimento. Outros, acreditam que o atendimento às AH/SD é elitista, beneficiando um pequeno grupo socialmente mais abastado financeiramente e privilegiado em seu saber. Esses são mitos importantes que impedem que programas de atendimento a esses sujeitos sejam pensados em nossos municípios e estados. No entanto, cabe destacar que apesar de apresentar um potencial superior em qualquer área do saber ou do fazer, essas pessoas necessitam do estímulo do seu ambiente, pois, como todos os seres humanos, necessitam do apoio dos seus semelhantes.

Discute-se também se devemos usar os verbos “ter” AH/SD ou “ser” pessoa com AH/SD. Renzulli (2014a) contribui para esclarecer essa discussão quando afirma que a mesma está vinculada à percepção que cada um tem da pessoa com comportamentos de AH/SD e, também, está associada aos paradigmas teóricos e de conhecimento de senso comum que cada pessoa adota/tem. Tal situação gera, portanto, controvérsias e confusões, pois não há unicidade nesse entendimento. Segundo o autor acima citado, em uma visão absolutista do fenômeno a questão resume-se em ser ou não ser superdotado. Porém, em uma visão relativa, certas pessoas podem desenvolver comportamentos de AH/SD em certos momentos e em certas circunstâncias. Essas duas visões implicam em conceitos diferentes. Na visão absolutista, o conceito é estático, representado pelo pensamento de que a pessoa é ou não superdotada. Na visão relativa, o conceito é dinâmico, traduzindo um entendimento que as AH/SD podem variar de acordo com a cultura e as situações de aprendizagem/ desempenho da pessoa (Renzulli, 2014a). Estando de acordo com a visão relativista durante os mais de 30 anos de atuação na área, Joseph Renzulli defende o uso do termo comportamentos de superdotação, pois entende que assim se obtém uma visão flexível desse sujeito, implicando no entendimento que certas pessoas podem desenvolver comportamentos de AH/SD em certos momentos e em certas circunstâncias, variando, portanto, de acordo com as diferentes situações de vida dos indivíduos e de seu contexto. Outro fator importante destacado pelo autor é que nessa perspectiva o “rótulo”, se existe, deve ficar no atendimento e não na pessoa.

Segundo Alencar (2001) foi realizada uma análise de dezessete concepções diferentes de AH/SD, a partir de enfoques teóricos diversos. Esse estudo concluiu que as AH/SD “[...] é um conceito inventado, e não algo que foi descoberto, referindo-se àquilo que uma sociedade deseja que seja, o que torna o conceito sujeito a mudanças de acordo com o tempo e o lugar” (Alencar, 2001, p.137). Portanto, com a evolução dos estudos e pesquisas nessa área, o conceito de comportamento de AH/SD de estático vem se transformando em dinâmico: variando de acordo com a cultura e as situações de aprendizagem/ desempenho do sujeito, mantendo, porém, o sentido de apresentar habilidades/ capacidades superiores aos demais, tanto nas áreas do saber quanto na do fazer.

Dois conceitos estão subjacentes na ideia da pessoa com comportamentos de AH/SD: inteligência(s) e altas habilidades/superdotação. Muitos são os termos que nomeiam esses sujeitos e muitas são suas definições, pois terminologias e concepções estão vinculadas aos paradigmas teóricos que subjazem às mes-mas. Como em toda área do conhecimento, tal situação mostra como a proposta de buscar um paradigma teórico é complexa e importante, pois esse é o subsidio principal que deve sustentar todas as atividades propostas aos sujeitos com comportamentos com indicadores de AH/SD.

No Rio Grande do Sul, grande parte dos pesquisadores na área, tal como Freitas (2013), Freitas e Pérez (2012), Vieira (2005a, 2005b), Pérez (2008), Pérez e Freitas (2016) têm usado o paradigma de Joseph Renzulli, para compreender o que são comportamentos com indicadores de AH/SD; e o de Howard Gardner, para entender as diferentes expressões das inteligências. Considera-se importante justificar a seleção desses dois paradigmas entre tantos outros existentes e com igual importância. Renzulli (2004) entende que é necessário dar a mesma atenção, tanto à criação de instrumentos, procedimentos e estratégias, quanto ao desenvolvimento dos pressupostos teóricos que embasam a atividade prática. Acrescenta ainda, que esta postura favorece o contato direto com “[...] as imagens, sons e cheiros das escolas e salas de aula reais e com desafios práticos e políticos às pessoas que nelas trabalham” (Renzulli, 2004, p.77). Em outras palavras, Joseph Renzulli é um pesquisador que constrói suas propostas teóricas e acompanha sua aplicação nas escolas, modificando ou reforçando essas experiências teórico-práticas. Cabe ainda destacar outras três razões para a seleção destes dois paradigmas, desde a perspectiva teórica: possuem conceitos dinâmicos para explicar os fenômenos das inteligências e AH/SD; postulam a inexistência de uma maneira ideal de se medir as inteligências; e propõem estratégias diferenciadas que possam mostrar o potencial destas pessoas (Vieira, 2005a).

Costuma-se entender que os sujeitos com comportamentos com indicadores de AH/SD são mais inteligentes do que a média. Então, o que são inteligências? As inteligências consistem no potencial biopsicológico que permite ao indivíduo resolver problemas ou criar produtos que são importantes num determinado ambiente cultural ou sociedade (Gardner, 2000). Essa visão das inteligências possibilita um reconhecimento das diferentes formas e estilos contrastantes que as pessoas têm/usam, para conhecer as coisas ao seu | 115 redor e a si mesmas. Cada uma das inteligências utiliza para seu processamento um conjunto de mecanismos diferenciados, mas interligados, pois uma inteligência necessita de outras para seu pleno funcionamento (Gardner, 2000). Assim, elas têm características próprias; contudo, se inter-relacionam e se complementam entre si. Essa contradição atesta o quanto a atividade cognitiva humana é complexa e subsidia o entendimento de que ter um nível elevado em um determinado domínio não significa um nível igualmente elevado em outro (Ramos-Ford & Gardner, 1991). Essa autonomia das inteligências tem uma relevância significativa para o grupo social aqui estudado, uma vez que encerra uma explicação objetiva e científica para o fato de apresentarem alto rendimento em uma área e apresentarem baixo rendimento em outra. Tal afirmação contribui sobremaneira para desmitificar a crença errônea de que estas pessoas são “super” em tudo o que fazem.

A concepção modular proposta por Gardner (2000, p. 47) pretende “[...] uma expansão do termo inteligência de modo a abranger muitas capacidades que eram consideradas fora do seu escopo. Assim sendo, o autor propõe a existência de oito inteligências e reconhece não ter sido o primeiro a postular as faculdades intelectuais humanas de forma relativamente independentes. Salienta, contudo, ter sido o único que ousou violar “[...] as regras do inglês (...) pluralizando o termo inteligência”, considerando a todas com o mesmo grau de importância (Gardner, 2000, p. 48). Até o momento, são oito as inteligências propostas por Gardner: Linguística, Lógico-matemática, Musical, Corporal-cinestésica, Espacial, Intrapessoal, Interpessoal e Naturalista.

Renzulli (2004, p 85), propõe que a pessoa com comportamento de AH/SD apresenta um conjunto de três traços: habilidades significativamente superiores à média, comprometimento com a tarefa e elevados graus de criatividade. A interação entre essas características condiciona o aparecimento do fenômeno. Os três traços estão amparados por uma rede, representada pela sociedade e pelos fatores de personalidade do próprio sujeito, e que dão suporte à sua manifestação. Portanto, as pessoas com comportamentos com indicadores de AH/SD são: “[...] aquelas que possuem ou são capazes de desenvolver este conjunto de traços e aplicá-los a qualquer área potencialmente valorizada do desempenho humano” (Renzulli, 2004,

p. 85). (Grifos do autor). Tal definição evidencia o sentido relativo da concepção, pois implica que os três anéis não necessitam estar na mesma intensidade no momento da identificação, podendo um estar mais destacado que os outros. Contudo, os traços que não estão presentes devem existir potencialmente, para que possam ser desenvolvidos ao longo do tempo.

Sendo assim, Costa, Sánchez e Martínez (1997) não consideram o indivíduo com comportamentos de AH/ SD pela soma de uma série de qualidades que ele apresenta em seu comportamento, mas sim pela forma sistêmica com que estas qualidades interagem entre si e com seu ambiente. Portanto, entende-se as AH/SD como uma condição ou um comportamento que pode ser desenvolvido em algumas pessoas, naquelas que apresentam alguma habilidade superior à média da população; em certas ocasiões, por exemplo, somente na infância, ou apenas em alguma série escolar ou em um momento da vida; e sob certas circunstâncias, e não em todas as situações da vida de uma pessoa (Renzulli & Reis, 1997).

Para concluir essas reflexões sobre quem são as pessoas com AH/SD, cabe destacar que as três características constituintes das AH/SD, propostas por Joseph Renzulli podem contribuir em sua identificação, considerando sua relação com cada uma das competências pluralistas das inteligências de Howard Gardner (Vieira, 2005a). Nesse sentido, é possível afirmar que as características encontradas no grupo de pessoas que apresentam comportamentos de AH/SD podem se manifestar “de modo peculiar, extremamente original e criativo, significativamente diferente em suas interações com o mundo, em sua maneira de agir, de pensar” e de fazer/resolver situações tanto acadêmicas quanto prática e social (Borges, 2012, p. 27). Destaca-se também, que para a identificação do potencial desses sujeitos são importantes: a frequência, intensidade e consistência das características indicativas de AH/SD.

COMO ATENDER A ESSES ESTUDANTES?

Alencar e Fleith (2001) ressaltam que a boa educação para todos não significa de forma alguma uma educação homogênea, idêntica para todos. É sabido que o sistema educacional brasileiro está voltado “para

o estudante médio e abaixo da média (e tal situação) pode significar o não reconhecimento e estímulo do talento e, consequentemente, o seu não-aproveitamento” (Alencar & Fleith, 2001, p.11). Partindo dessa constatação, como organizar nossas escolas para o atendimento aos estudantes com comportamentos de

116 | AH/SD?

Segundo Freitas (2013), a organização do AEE para alunos com comportamentos de AH/SD consiste em “[...] identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a participação desses alunos nos diferentes espaços” (Freitas, 2013, p. 256). O planejamento do AEE envolve, portanto, a complexidade da instituição escolar, abrangendo os aspectos organizacionais, administrativos e pedagógicos. Tal atendimento deve provocar inovações na tarefa educativa e, como refere Carbonell (2002, p.25), “as inovações pedagógicas são como pulsações vitais que vão renovando o ar em sua marcha ininterrupta e descobrindo novas rotas”. A busca desse fazer pedagógico inovador não é fácil nem simples, pois é um processo que envolve inquietações, já que é muito mais cômodo permanecer com procedimentos antigos, os quais têm resultados já conhecidos. Portanto, como todo processo, exige da equipe gestora e de docentes das escolas amadurecimento, tempo de preparação e desejo de mergulhar nesse desafio. Então, por onde se inicia?

O Projeto Político Pedagógico da escola é o ponto de referência para a prática pedagógica da escola. Deve, portanto, orientar a operacionalização do currículo como um recurso para promover o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno (Brasil, 2009). Pensando nessa operacionalização, Deuner e Vieira (2012) destacam alguns fatores importantes: a) receptividade dos docentes no sentido de diversificar e flexibilizar as metodologias que estimulam o processo de ensino e aprendizagem; b) identificação das necessidades e interesses dos alunos com AHSD; c) concepção e prática de avaliação do conhecimento do estudante centrada no processo e não no produto; assim, o aluno aprende para “saber” e não para ser “aprovado”; e d) por último, e não menos importante, estão as estratégias e os procedimentos de ensino.

Três aspectos devem ser pensados, quando falamos na composição do atendimento: a organização da sala de aula, formando grupos cooperativos e instituindo centros de atividades; atividades planejadas, partindo de conceitos mais simples aos mais complexos e do concreto para o abstrato; e metodologias de ensino que priorizem o “pensar” e não o “memorizar” ou “copiar”, enfatizando os aspectos formadores, experimentadores e criadores dos saberes (Rodriguez & Sentís, 2002).

Feita a exposição dos fatores de organização administrativos e pedagógicos que embasam o AEE para alunos com AH/SD, cabe perguntar, como esse atendimento acontece na prática?

Elenca-se a seguir as etapas desse processo, baseadas na experiência vivenciada nas escolas de Santa Maria e nas propostas teóricas encontradas em diferentes autores, citados ao longo das etapas. Como esses alunos, geralmente, estão invisíveis nas escolas, inicia-se pelo processo de identificação.

a) Provocar e estimular a escola e os docentes para participação no atendimento aos alunos com AH/SD, pois o professor responsável por essa intervenção necessitará dos demais colegas do corpo docente, tanto no processo de identificação quanto na proposta de enriquecimento intra e extracurricular. Essa sensibilização pode/deve ser feita de diferentes modos e depende da criatividade do professor da educação especial. Pode envolver discussões de textos teóricos, de exposição de filmes ou histórias, ou até mesmo de cartazes distribuídos pelo espaço físico da escola. O importante é que estimule a curiosidade da comunidade escolar sobre esse tema e desperte o desejo de participar.

b) Verificar junto ao professor da classe aqueles alunos que se destacam em diferentes áreas. Para tal, pode ser usada a Ficha de Verificação dos Indicadores de AH/SD, publicada em Freitas e Pérez (2012) e Pérez e Freitas (2016);

c) Mapear os alunos que se destacam, indicados pelos professores;

d) Solicitar permissão aos pais dos alunos indicados para continuação do processo de identificação;

e) Aplicar os Questionários com Indicadores de Altas Habilidades/ Superdotação para pais, professores e no próprio aluno indicado, quando essa for a recomendação (Freitas; Pérez, 2012 e Pérez; Freitas, 2016). Realizar a análise qualitativa das respostas, fazendo o cruzamento das mesmas;

f) Observar os comportamentos dos alunos em sala de aula e realizar entrevistas semiestruturadas com o(a) próprio(a) aluno(a), familiares, colegas e professores, se necessário;

g) Propor atividades estimulantes e desafiantes com base nas Inteligências Múltiplas e que promovam a ação dos sujeitos;

h) Elaborar/organizar o portfólio do aluno, que consiste em uma forma sistemática de reunir, registrar e usar as informações sobre as habilidades e os pontos fortes dos alunos; classificando essas informações em categorias gerais, incluindo habilidades, interesses, estilos preferenciais de aprendizagem e de ensino, | 117produtos significativamente ilustrativos de suas habilidades e outros indicadores de talento (Renzulli, 2004; Renzulli & Reis,1997; Purcell & Renzulli, 1998; Pérez & Freitas, 2016).

i) Discutir/consultar com os demais docentes/profissionais da escola, especialmente nas áreas de inteligências nas quais esses professores têm conhecimento, como forma de integrar esses diferentes “olhares”;

j) Elaborar um parecer pedagógico, apontando os pontos fortes e a melhorar do(a) aluno(a) e formas de atendimento educacional com indicação de estratégias para o atendimento educacional, definição da forma de acompanhamento dos comportamentos com indicadores de AH/SD (frequência, consistência e intensidade).

O suporte para esse processo poderá ser oferecido pelos professores das áreas específicas de interesse dos alunos e profissionais do Serviço de Supervisão Pedagógica e/ou de Orientação Educacional. Por esse motivo, a importância da sensibilização dos colegas professores no início das atividades. Os princípios norte-adores deste processo podem ser destacados como os principais pontos positivos, pois uma identificação que considere a própria atividade natural e espontânea do sujeito; promove e verifica suas áreas de interesse, através da multiplicidade de estímulos, considerando as diferentes inteligências; contribui significativamente para o desenvolvimento global do estudante. É possível que esta abordagem de identificação aponte muito mais pessoas com AH/SD, uma vez que considera uma ampla gama de habilidades e não somente aquelas competências tradicionalmente avaliadas pelos testes de inteligência. Gardner (1994) enfatiza que cada inteligência possui mecanismos próprios de ordenação, refletidos por meio de seus princípios peculiares e de seus meios preferidos no desempenho desta inteligência, justificando assim a inclusão de profissionais de outras áreas no processo de identificação, com a finalidade de determinar como estes mecanismos se manifestam.

Feita a identificação desses estudantes, cabe elaborar o plano de atendimento. No caso dos alunos com AH/SD, o atendimento suplementar os “desafia” na direção de trabalhar os níveis mais elevados de suas áreas de interesse, mediante aconselhamento individual ou em pequenos grupos com a ajuda direta do professor especializado que atua como mediador do trabalho mais avançado (Freitas, 2013). Portanto, a proposta de enriquecimento pode ser feita tanto na sala de aula quanto na sala de recursos; sempre evidenciando o trabalho conjunto e integrado entre o professor especializado e o professor regente.

A dinamicidade dos conceitos é característica fundamental das propostas de Joseph Renzulli. Assim, apresenta-se na Figura 1, o Modelo Triádico de Enriquecimento que evidencia a flexibilidade representada pelas flechas, indicando que não há uma hierarquia na evolução dos tipos de enriquecimento, podendo um aluno iniciar no Tipo II e depois passar para o Tipo I, e assim por diante.

Figura 1. Modelo Triádico de Enriquecimento. Fonte: Renzulli (2014b, p. 545).

O modelo de enriquecimento apresenta três tipos: Tipo 1, chamado de Atividades Exploratórias Gerais, favorece a exposição dos alunos a “ampla variedade de disciplinas, temas, profissões, hobbies, pessoas, locais e eventos que normalmente não estão incluídos no currículo regular” (Renzulli, 2014b, p.545). É extensivo a todos os alunos da escola. O Tipo II é chamado de Atividades de Treinamento em Grupo, e “inclui materiais e

118 | métodos elaborados para promover o desenvolvimento de processos de pensamento e sentimento” (Renzulli, 2014b, p.546). Esse tipo de enriquecimento pode ser oferecido a grupos de alunos em suas salas de aula ou nas salas de recursos. O enriquecimento do Tipo III, denominado de Investigação de Problemas Reais em Pequenos Grupos ou Individualmente, destina-se aos estudantes interessados em aprofundar “uma área de interesse determinada e querem comprometer o tempo e os esforços necessários para a aquisição de conteúdo avançado e o treinamento de processos nos quais eles assumem um papel de pesquisador de primeira categoria” (Renzulli, 2014b, p.546). Nessa perspectiva, é importante o planejamento do professor organizando algumas adequações que flexibilizem os conteúdos e as metodologias de ensino, trazendo atividades que permitam o aprofundamento de temas de interesse dos alunos; organizando centros de interesse que permitam àquele aluno que conclui antes as tarefas ocupar seu tempo de forma mais produtiva na sala de aula. Também é possível a proposta de monitoria para o aluno com comportamentos de AH/SD, que, ao terminar antes suas tarefas, poderá ajudar os colegas em suas lições.

Algumas formas de atendimento na sala de recursos multifuncional são: identificação dos potenciais dos alunos, elaboração dos planos de atividades individuais, oficinas para o desenvolvimento dos potenciais (que podem e devem ser ofertadas a toda escola), projetos individuais, elaboração de materiais para os professores da sala de aula, orientação aos professores, articulação e elaboração de uma lista de tutores.

Favorecer o processo de aprendizagem é o objetivo de todo professor, no ambiente educacional. Para entender melhor esse processo, destaca-se três componentes que compõem os atos ideais de aprendizagem: Professor, Aprendiz e Currículo (Renzulli & Wet, 2010). A Figura 2 representa esses componentes e traduz a dinamicidade das interações entre os mesmos. Os círculos podem variar de tamanho de uma situação de aprendizagem para outra, mas todos os três componentes devem estar presentes em certo grau (Renzulli & Wet, 2010). O professor constitui o primeiro anel que mostra três outros subcomponentes interligados. São eles: o conhecimento da disciplina, que vai além do dominar os conteúdos de sua disciplina. Significa, também, conhecer e compreender o papel importante da metodologia, orientando os alunos para resolução de problemas reais (Renzulli & Wet, 2010); o romance com a disciplina, que consiste no investimento afetivo pelo que está ensinando e de certa forma pela satisfação com sua profissão (Renzulli & Wet, 2010). E, por último, a técnica instrucional, que inclui as características pessoais do professor tidas como “matéria-prima” desse subcomponente, tais como flexibilidade, abertura a experiências e novas ideias, otimismo, alto nível de energia, comprometimento com a excelência, entusiasmo (Renzulli & Wet, 2010).

Figura 2 - Representação gráfica do ato ideal de aprendizagem. Fonte: Renzulli & Wett, 2010.

O segundo anel é o do estudante e também está representado pela interação de outros três anéis: suas habilidades, incluindo as cognitivas e não cognitivas; seus interesses, pois seu empenho (maior ou menor) na aquisição do conhecimento está presente em todo ato de aprendizagem. A grande disposição para descobrir fatos novos contribui para que o aprendiz se comprometa com afinco no trabalho (Renzulli & Wet, 2010). E, por último, estão os estilos de aprendizagem, que são constituídos pelas diferentes abordagens | 119 utilizadas pelas pessoas para resolução dos problemas surgidos nas suas vivências (VIEIRA, 2005b). Para Renzulli e Wet (2010) a aprendizagem deve contemplar a exposição a diversos estilos; e incluir a definição de quais são mais aplicáveis a determinados assuntos e a mescla dos diferentes estilos.

O terceiro e último componente dos atos ideais de aprendizagem, segundo Renzulli e Wet (2010), é o currículo. Seus três subcomponentes são: a estrutura da disciplina, que diz respeito à importância de pensar sobre um corpo de conhecimento de forma sistemática, envolvendo suas formas e conexões, seus problemas não resolvidos, seus métodos de investigação, suas aspirações para melhorar a humanidade, bem como a maneira especial que analisa os fenômenos. O conteúdo e a metodologia fazem parte do segundo subcomponente. O conteúdo deve apresentar uma hierarquia, iniciando por fatos e tendências, passando por classificações e categorias e chegando a generalizações e princípios. A metodologia vai além de como organizar a aula, ela deve incluir a promoção, compreensão e aplicação de métodos para os tipos de problemas subjacentes a cada campo do conhecimento (Renzulli & Wet, 2010). Por último e não menos importante está o apelo à imaginação, que significa estruturar os conteúdos a ensinar de forma a permitir novas experiências e significados para o aluno (Renzulli & Wet, 2010).

Na perspectiva dos atos ideias de aprendizagem toda a experiência deve ser vista como um confronto com

o conhecimento, e os alunos são autorizados a questionar, criticar e, o mais importante, acrescentar suas próprias interpretações e contribuições para o conhecimento existente.

PARA CONCLUIR ESSAS REFLEXÕES: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Como foi destacado no início desse texto, concordando com o pensamento de Joseph Renzulli, o mais importante não é discutir a existência ou não desses estudantes em nossas escolas, ou ainda se devem ou não receber o atendimento a quem têm direito, pois eles já estão matriculados em nossas escolas; muitos sofrendo bullyng, outros evadindo-se de um ambiente que prima pela repetição e memorização dos conteúdos. Dirigir nosso olhar e nossos esforços no sentido de problematizar como tornar nossas escolas mais abertas ao novo e mais flexíveis ao que está estabelecido deve ser o foco de nossa atenção, pois essa atitude favorece a todos os alunos e não somente aos que apresentam AH/SD. Portanto, é possível estabelecer alguns princípios importantes dessa reflexão:

Cada aluno é único e todas as experiências de aprendizagem devem levar em conta habilidades, interesses e estilos de aprendizagem do indivíduo;

A aprendizagem é mais eficaz quando os alunos sentem prazer no que estão fazendo/aprendendo, considerando seu contexto e sua realidade; e

A aprendizagem que considera esses princípios substitui o aprendiz passivo e dependente pelo aprendiz engajado e independente.

As atividades que são ofertadas aos alunos com AH/SD podem e devem ser propostas para todos os alunos, porém, é importante que haja respeito às respostas de cada indivíduo, pois nem todos os alunos farão contribuições nos mesmos níveis dos alunos com AH/SD. Mas o significativo nessa ação é o desenvolvimento do pensamento de todos e de cada um. Esta afirmação enfatiza que todas as propostas de oficinas, seminários, concursos, dentre outras, devem ser estendidas a todos os alunos, não só pela possibilidade que cada um terá de desenvolver seus potenciais, mas, também, porque essa experiência pode se transformar em mais uma oportunidade de identificar outros alunos que ainda não vivenciaram situações que favoreciam mostrar seus interesses e produções.

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Fecha de Recepción: 03/09/2018 Fecha de Aceptación: 11/11/2018

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