FATORES QUE INFLUENCIAM NA DINÂMICA DE FAMÍLIAS DE SUPERDOTADOS

FACTORS INFLUENCING THE DYNAMICS OF GIFTED FAMILIES

Mag. Sheila Perla Maria de Andrade7 Dra. Jane Farias Chagas-Ferreira8

RESUMO

As famílias de superdotados são consideradas afortunadas em muitos aspectos por terem filhos altamente capazes, no entanto, enfrentam desafios e problemas diretamente relacionados às características desses indivíduos. Essas demandas peculiares podem gerar estresse e ansiedade, influenciando nas expectativas e práticas parentais e na maneira como o talento será reconhecido e estimulado. Assim, o objetivo desse estudo é descrever como os processos de identificação, a precocidade, a assincronia e as características individuais e socioemocionais de superdotados influenciam na dinâmica e relações familiares. Este artigo | 57é uma revisão de literatura não sistemática, de caráter descritivo, apoiada em capítulos de livros, ensaios teóricos e em pesquisas empíricas.

Palavras-chave: desenvolvimento, superdotados, dinâmica familiar.

ABSTRACT

Gifted families are considered fortunate in many respects to have highly capable children, yet these families face challenges and problems directly related to the characteristics of these individuals. These peculiar demands can generate stress and anxiety, influencing parental expectations and practices, and the way wich talent is recognized and stimulated. Thus, the purpose of this study is to describe how the processes of identification, precocity, asynchrony and the individual and socioemotional characteristics of gifted individuals influence the dynamics and family relationships. This article is a non-systematic literature review, the descriptive nature, supported by book chapters, theoretical essays, and empirical research.

Keywords: development, gifted, family dinamics.

A FAMÍLIA: CONTEXTO PRIVILEGIADO DE DESENVOLVIMENTO

A família é um sistema complexo e dinâmico, responsável pela transmissão da cultura (Dessen, 2007, 2010; Dessen & Polônia, 2007; Kreppner, 2000). Nesse sentido, a família funciona como um sistema que possui padrões de comunicação, desempenho de papéis sociais, conjunto de atividades, crenças e valores e ca

7 Universidade de Brasília, Mestre em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde, sperlaandrade@unb.br 8 Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento, Laboratório de Psicologia Escolar, Profa. Dra. Do Programa de Pós Graduação em Processos Desenvolvimento Humano e Saúde. janefcha@ gmail.com

58 | A família, nessa perspectiva, pode ser concebida como uma instituição que prepara os indivíduos para serem inseridos na sociedade, auxiliando no desenvolvimento de repertórios que permitam a continuidade da vida social (Alves, 2006; Dessen & Polônia, 2007; Kreppner, 2000; Prado, 2017; Weber, 2008). A família tem, portanto, um forte impacto no processo de desenvolvimento dos seus membros influenciando-os e sendo influenciada por eles.

A família vem sofrendo modificações ao longo do tempo e adquirindo novos contornos. Essas transformações reconfiguram a família tradicional formada por laços de consanguinidade, ampliando sua definição e tipologia (Alves, 2006; Aspesi, 2007; Motta & Rodrigues, 2018; Rocha, Cury & Rocha, 2015). A família, no entanto, independentemente de sua configuração, permanece como um dos principais contextos necessários ao desenvolvimento humano e, por conseguinte, para a promoção das potencialidades de indivíduos superdotados.

Diante do exposto, este artigo tem como objetivo descrever como os processos de identificação, a precocidade, a assincronia e as características individuais e socioemocionais de superdotados influenciam na dinâmica e relações familiares.

CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA COM SUPERDOTADOS

Entre as características familiares que se destacam na promoção do desenvolvimento saudável do superdotado, encontramos o suporte familiar e a responsividade materna (Alvarenga, Malhado & Lins, 2014; Chagas-Ferreira, 2016; Fleith, 2017; Thompson, Corsello, McReynolds & Conklin-Powers, 2013). O suporte familiar é reconhecido como um fator protetivo que favorece a resiliência e o bem-estar emocional do superdotado. Esse suporte diz respeito a um padrão de comunicação que preza pelo diálogo, onde os recursos de atenção, tempo e monitoramento estão presentes, onde há espaço para o elogio, incentivo e reconhecimento das pequenas conquistas. Os níveis de satisfação individual e parental, bem como as expectativas sobre a performance e desempenho podem ser positivos ou negativos, a depender da qualidade do envolvimento parental, das práticas parentais que valorizam a educação e estilo parental mais autoritativo (Rudasill et al., 2012). Para Bronfenbrenner (2011), ter pessoas dedicadas e altamente engajadas e interessadas no que a criança realiza no dia a dia, é um fator primordial para o desenvolvimento saudável.

É importante salientar que o acesso a oportunidades de aperfeiçoamento das habilidades e capacidades do superdotado é altamente dependente do envolvimento ou engajamento parental, e mais especifica-mente da responsividade materna (Chagas-Ferreira, 2016). O apoio emocional da mãe, a atitude compreensiva e imediata resposta de afeto positivo, iniciados desde os primeiros momentos de vida da criança é importante na promoção da autorregulação emocional da criança. A responsividade materna atua como uma base regular que pode prover os recursos e experiências necessários ao desenvolvimento das habilidades do superdotado.

Em geral, são as mães que identificam os talentos dos filhos e que se engajam em processos para que esses talentos sejam reconhecidos e atendidos adequadamente. Alguns fatores culturais podem influenciar na responsividade materna e no suporte familiar, assim como na percepção parental sobre a superdotação. Valores e crenças influenciam no estímulo das habilidades dos superdotados, podendo, os pais, estimular algumas habilidades em detrimento de outras que julgam menos importantes ou socialmente menos aceitas. Pais que esperam que o exercício profissional dos filhos vá auxiliar na mudança ou manutenção do status social da família, podem, por exemplo, impedir que o talento musical ou artístico seja estimulado ou atendido, depositando seus esforços e recursos para o desenvolvimento de habilidades acadêmicas.

A literatura tem demonstrado que existem diferenças nos papeis de pais e mães, em função de estereótipos sociais. Em geral, são as mães que buscam pelas redes de apoio e se dedicam aos papéis de cuidados e de afeto, enquanto aos pais se reservam os papeis intelectuais e as brincadeiras mais formais. No entanto, quando o assunto é a educação dos filhos superdotados, parece que esse é um aspecto que ocupa a pauta central das preocupações de pais e mães (Aspesi, 2003). Não é incomum, após várias tentativas frustradas de busca por atendimento especializado adequado, que esses pais assumam a responsabilidade pela educação dos filhos, assumindo o papel da escola (Jolly, Mathews & Nester, 2013). Aspesi (2003, 2007) ainda destaca outras questões que costumam afligir esses pais, tais como: ajustamento social e desmotivação escolar.

Com relação às questões escolares, Pérez (2011) ressalta que as famílias com superdotados, costumam buscar serviços de apoio a partir das dificuldades originadas na escola ou mesmo em casa e, também, conclui, em sua pesquisa, que é preciso investimentos na formação de pais e profissionais da área da educação.

Estudo realizado por Chagas-Ferreira (2013) assinala que o superdotado pode assumir papel de proeminência no ambiente familiar, muitas vezes, tornando-se modelo de admiração pelos demais membros da família. A autora destaca como importante fator promotor de desenvolvimento as potencialidades do superdotado na família: as relações positivas no ambiente familiar, caracterizado por ser acolhedor e amigável, com maior investimento e priorização da educação.

A ordem de nascimento dos filhos ou posição funcional na família também é uma característica importante a ser considerada quando se estuda a família do superdotado. Lôbo (2016) observou em seu estudo a predominância de filhos primogênitos indicados para acompanhamento suplementar em um programa de atendimento educacional especializado para o superdotado. Outros estudos também demonstraram a prevalência de primogênitos e unigênitos entre essa população (Chagas, 2008; Olszewski-Kubilius, 2016).

A primogenitura ou a unigenitura nem sempre está relacionada com a ordem de nascimento, mas com a posição funcional na família. No caso da primogenitura, isso acontece quando o filho superdotado, ocupa na família, a função de filho primogênito, exercendo liderança entre os irmãos, sendo-lhe atribuído maior responsabilidade nas tarefas domésticas, obtendo autonomia precoce (López-Aymes; Acuña & Abúndez, 2013). Por conta dessa posição funcional, o superdotado acaba por ter prioridade no investimento dos recursos familiares: financeiros, de atenção e suporte emocional.

Ourofino e Fleith (2011) em seu estudo com superdotados underachievers, apontam aspectos individuais dessa população que têm influência sobre a dinâmica familiar, entre as quais destacam-se: a depressão, a ansiedade, o perfeccionismo, a baixa autoestima e o autoconceito negativo, além da irritabilidade, não conformismo, dificuldades de aprendizagem, desorganização, impulsividade e déficit de atenção, imaturidade social. As autoras concluem pela importância do contexto familiar para o desenvolvimento saudável e integral dos superdotados, enfatizando a necessidade de que a família receba apoio e orientação. | 59

Vários autores salientam o papel fundamental da família no reconhecimento e no encaminhamento para atendimento educacional especializado (Silva & Fleith, 2008; Tentes & Fleith, 2014a, 2014b). Todavia sublinharam que alguns pais se frustram ao depositarem altas expectativas em relação às potencialidades dos filhos e, em consequência, geram cobranças excessivas para com o superdotado

Os resultados de estudo realizado por Ferreira e Fleith (2012) com o objetivo de identificar as características e a dinâmica de famílias de adolescentes talentosos indicaram que mais da metade das famílias participantes possuíam uma configuração familiar tradicional, tinham como prioridade a educação e o desenvolvimento dos filhos talentosos, e possuíam uma variedade de atividades de lazer em suas rotinas. Com relação às práticas parentais ficou evidenciado que os pais se auto avaliavam de maneira mais positiva que seus filhos adolescentes em todas as categorias do Inventário de Sucesso Parental: comunicação, uso do tempo, ensino, frustração, satisfação e necessidade de informação.

Assim, as famílias com superdotados costumam ser influenciadas pelas características peculiares desses indivíduos, especialmente por fatores relacionados com o processo de identificação da superdotação; as características de desenvolvimento como: precocidade e assincronia e as características socioemocionais (Chagas-Ferreira, 2014, 2016; Pereira & Guimarães, 2007; Silva & Fleith, 2008; Subotnik, Olszewski-Kubilius & Worrell, 2011).

O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO DA SUPERDOTAÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NA FAMÍLIA

Via de regra, o nascimento de um filho tem grande impacto sobre o funcionamento familiar. Um filho por si só exige reestruturação de dinâmicas, reconfiguração de papéis, transformação nos padrões comunicativos e de investimento familiar (recursos, tempo, atenção). As novas responsabilidades e as novas rotinas modificam não somente a família, mas todas as demais relações de seus membros nos vários contextos: social, trabalho, vizinhança (Cardoso, 2016; Delou, 2007; Oliveira, 2009). Não é diferente com as famílias Nesse sentido, a identificação da superdotação exige da família não somente maior sensibilidade para o atendimento das demandas especiais de seus filhos, mas também reorganização da rotina familiar. Esse processo adaptativo requer atenção e cuidados especiais e o estabelecimento de uma parceira efetiva entre a família e a escola, de forma a fomentar o desenvolvimento das potencialidades, habilidades e interesses observados e auxiliar no enfrentamento de desafios na busca por atendimento especializado das necessidades educativas e por acesso a oportunidades sociais e culturais.

Ainda com relação ao processo de identificação, as reações imediatas da família de uma criança com desenvolvimento atípico podem ser controversas e podem envolver revolta, rejeição, raiva e negação (Henn, Piccinini & Garcias 2008). Alguns autores, no entanto, ponderam que as reações das famílias de crianças avaliadas como superdotadas são, em um primeiro plano, de grande expectativa e de orgulho (Pérez, 2011; Winner, 1998).

Por outro lado, esses sentimentos excessivamente positivos no início do processo de identificação, podem dar lugar, no decorrer do tempo, a algumas dificuldades enfrentadas por essas famílias, como, por exemplo, encontrar serviços educacionais adequados às necessidades específicas dos superdotados, escassez ou inexistência de recursos e de rede de apoio social que promovam o desenvolvimento das habilidades identificadas (Pereira & Guimarães, 2007). Como os superdotados não compõem um grupo homogêneo, os diferentes tipos de superdotação exigem diferentes recursos de suas famílias a depender das capacidades, interesses e necessidades peculiares dessa população (Olszewski-Kubilius, Lee & Thomson, 2014; Wilson, 2015).

Para melhor compreender as demandas associadas ao tipo de superdotação que influenciam na dinâmica familiar pode-se verificar as diferenças entre as demandas de crianças e adolescentes da área criativa-produtiva e área acadêmica. O superdotado da área criativa-produtiva do domínio da música, por exemplo, vai requerer da família: o investimento na compra de instrumentos e partituras, o envolvimento em atividades e eventos culturais (concertos, shows etc.), o acompanhamento em atividades extracurriculares para a prática musical. Por outro lado, a família com filho superdotado na área acadêmica terá demandas 60 | relacionadas a compra de livros, matricula em cursos, acompanhamento de mentores e tutores. Sendo boa parte desse processo associado a atividades curriculares (Chagas-Ferreira, 2014; 2016).

Apesar da família com superdotado reconhecer as caraterísticas peculiares de seus filhos precocemente, essas crianças tendem a receber atendimento especializado mais tardiamente. Isso se deve ao fato de que há muitos mitos relacionados ao desenvolvimento do superdotado e à concepção sobre superdotação. Famílias com crianças com algum tipo de deficiência sensorial, psicomotora ou que possuam alguma síndrome contam com um conjunto de políticas públicas, serviços e programas de estimulação precoce, logo nos primeiros anos de vida (Brasil, 2008; IBGE, 2010; Oshima, 2016). Essa realidade é inversa, quando se trata de famílias com superdotados. Mesmo que os pais já tenham notado algumas habilidades diferenciadas em seus filhos ainda no início da escolarização formal, o atendimento acaba por ser postergado, vindo ocorrer já nos anos finais da Educação Básica (Almeida, Fleith & Oliveira, 2013). Com isso, muitas vezes, os irmãos, avós e outros parentes de superdotados precisam assumir tarefas e atividades domésticas e de mobilidade extra, para que o superdotado possa frequentar cursos extraclasse, dedicar-se a treinamento deliberado ou a processos de mentoria (Fernandes, 2014).

A percepção familiar acerca do desenvolvimento do superdotado parece ser construída e afetada pelas experiências e vivências dos pais e por vários mitos que vão sendo enfatizados pelas mídias sociais (Chagas, 2003, 2014). Entre esses mitos, destacam-se a ideia de que esses indivíduos são desajustados socialmente, que virão a ser vítimas de problemas mentais se souberem de suas habilidades acima da média e ainda de que não precisam de nenhum suporte adicional para serem bem-sucedidos (Sabatella, 2008).

Nesta direção, Subotnik, Olszewski-Kubilius e Worrell (2011) destacam o quão prejudicial é a falta de apoio e suporte à família do superdotado no sentido de dirimir dúvidas, esclarecer mitos e construir possibilidades de acesso a oportunidades que possam fomentar e não comprometer as potencialidades identificadas. Essa conjuntura associada a outros fatores familiares como status socioeconômico desfavorecido, ausência de suporte escolar, frustração parental, necessidade de mobilização e redistribuição de responsabilidades dos membros da família, não somente modifica a rotina familiar, como impõe desafios internos e externos à família.

Daí a necessidade de estas famílias terem acesso a informações confiáveis e baseadas em pesquisas e de receberem suporte adequado para auxiliarem no desenvolvimento integral do superdotado. Nesse sentido, alguns autores defendem que sejam oferecidos serviços e programas de orientação e aconselhamento aos pais (López-Aymes, Acuña & Damian, 2014).

PRECOCIDADE E ASSINCRONIA E SUA INFLUÊNCIA NOS PROCESSOS FAMILIARES

Ainda nesta tônica, a dinâmica das famílias de superdotados também é afetada por duas características desenvolvimentais singulares dos superdotados: a precocidade e a assincronia. Tais atributos impactam a tomada de decisão familiar sobre os processos educativos como também desafiam os currículos escolares (Alencar & Fleith, 2001; Chagas, 2008).

Com relação as questões que envolvem a precocidade, a família, via de regra, percebe essas características de desenvolvimento ao comparar as habilidades do superdotado com o de outras crianças da família (Chacon, Martins & Pedro, 2017; Gama, 2007). Entre essas características destacam-se: a memória acima da média, o vocabulário avançado, o interesse incomum por determinados domínios, o envolvimento por longos períodos de tempo em uma mesma atividade, a busca mais intensa por solucionar problemas e por dominar técnicas ou determinado tipo de conhecimento (Sabatella, 2008; Virgolim, 2007; Winner, 1998).

Nesse sentido, é possível encontrarmos crianças com raciocínio lógico-matemático bastante desenvolvido para a idade, com extraordinário vocabulário ou memória, com dificuldades na escrita em função de dificuldades com a coordenação motora fina. Esse tipo de experiência parece ser conflituoso e frustrante tanto para a família, quanto para o superdotado (Calefi, 2016). Se a família com filhos superdotados não for adequadamente orientada, pode vir a cobrar excessivamente, exigindo uma performance acima da média em tudo o que a criança realiza, ou depositar sobre essa criança ou adolescente expectativas irrealistas. Essas expectativas são, muitas vezes, nutridas por sonhos e desejos não realizados relacionados à carreira profissional e oportunidades de ascensão social (Oliveira, 2009).

| 61 Se por um lado a criança se mostra precoce em seu desenvolvimento, por outro pode haver um certo descompasso entre o desenvolvimento intelectual, psicomotor, linguístico e perceptual (Maia-Pinto & Fleith, 2015). Esse descompasso é denominado assincronia ou dissincronia. Vários autores apontam a assincronia como um fenômeno associado ao desenvolvimento do superdotado (Maia-Pinto & Fleith, 2015; Oliveira, Barbosa & Alencar, 2017; Ourofino & Guimarães, 2007). Esta singularidade altera a percepção da família sobre a superdotação, uma vez que evidencia a não correspondência entre as expectativas de desempenho e as realizações observadas.

A assincronia traz ainda outros desafios para a família do superdotado, uma vez que a falta de conhecimento mais aprofundado desses aspectos podem levar a diagnósticos equivocados. Nesse sentido, Sabatella (2008) chama a atenção para o fato de algumas características como: o impulso e compulsão do superdotado por entender certas nuances de um campo de conhecimento, que vai requerer uma atenção mais foca-da - quando associada à uma caligrafia pouco desenvolvida (habilidade vinculada à coordenadora motora fina, podem ser confundidas com distúrbios da atenção ou de aprendizagem (Ourofino, Fleith & Gonçalves, 2011). Por outro lado, o alto nível de energia, a resposta a vários estímulos relacionada com uma baixa competência social pode ser erroneamente avaliada como Transtorno Déficit de Atenção e Hiperatividade.

CARACTERÍSTICAS SOCIOEMOCIONAIS DE SUPERDOTADOS E SEU IMPACTO NA FAMÍLIA

As características socioemocionais dos superdotados pode ser fonte de grande preocupação para a família. (Castro, Cuzin & Hees, 2011). Nesse sentido, podemos destacar algumas características socioemocionais que afetam a dinâmica familiar, entre aquelas apontadas por Ourofino e Guimarães (2007): (a) dificuldades nos relacionamentos sociais; (b) dificuldades em aceitar críticas, (c) não conformismo e resistência a autoridades; (d) recusa em realizar tarefas rotineiras e repetitivas; (e) excesso de competitividade; (f ) intensidade e oscilação emocional; (g) preocupação exacerbada com questões éticas e estéticas; (h) ansiedade; (i) persistência; e (j) autoconsciência elevada. Essas especificidades que fazem parte da vida do superdotado, Além das características já apontadas, outros autores ressaltam o perfeccionismo, a oscilação de humor e a baixa autoestima como atributos que têm influência no funcionamento familiar (Kakavand, Kalantari, Noohi & Taran, 2017; Virgolim, 2007). Para esses estudiosos, o perfeccionismo pode ser positivo ou negativo. O perfeccionismo positivo leva a uma produção de qualidade, a um sentido de propósito e autor realização. Esse tipo de perfeccionismo costuma ter um impacto positivo sobre a autoestima, autoconceito e enchem a família de orgulho pelas realizações do superdotado. Em sentido oposto, o perfeccionismo do tipo neurótico traz prejuízos para a autoestima, para as relações interpessoais e para a saúde do superdotado. O alto padrão imposto como meta, nem sempre é possível de ser alcançado, e tal situação, em virtude de sua recorrência, pode levar à depressão, altos níveis de frustração ou comportamentos autos sabotadores, que exercerão forte influência nas interações e rotina familiar (Chagas-Ferreira, 2014; Rangni & Costa, 2014; Sabatella, 2008).

As características socioemocionais de superdotados podem também despertar a prática de bullying. Dalosto e Alencar (2016) demonstram como essa prática pode ser desastrosa para todos os envolvidos. Apesar do estudo realizado por estas autoras ser restrito ao âmbito escolar, podemos inferir como esse fenômeno tem reflexo na família, provocando inquietude e aflição que, muitas vezes, podem acarretar na necessidade de apoio psicológico e na mudança de ambiente escolar. Outros predicados atribuídos a esses indivíduos podem agravar ainda mais essa situação como: a sensibilidade e intensidade emocional, levando o indivíduo ao isolamento social ou, ainda, a desenvolver ideação suicida (Apistola, 2017).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, podemos observar que as características do superdotado influenciam na dinâmica familiar de forma recíproca. As crenças, valores, práticas e estilos parentais são fatores importantes que afetam no reconhecimento e na promoção do desenvolvimento do potencial e talento. Por outro lado, características de

62 | desenvolvimento e do processo de identificação do superdotado impactam no funcionamento da família, alterando suas rotinas e demandando esforços e investimento parental.

Sendo a família, o nicho primário de desenvolvimento humano, e tendo a família do superdotado tantos desafios a serem enfrentados, é evidente a necessidade de que sejam planejados atendimentos específicos para pais, mães e irmãos de superdotados. Esses serviços devem se configurar no sentido de auxiliarem no processo de identificação, orientarem acerca das características do superdotado, fomentarem a ampliação de redes de apoio social.

Entre as perspectivas de pesquisas futuras que emergem para a compreensão da dinâmica de famílias com superdotados consideramos importante investigar as relações mesossistêmicas entre escola e família, o perfil de famílias com superdotados, as práticas e estilos parentais que estão relacionados ao desenvolvimento saudável de superdotados. Ainda nesse sentido, julgamos importante a realização de pesquisas que averiguem as relações fraternais entre irmãos superdotados e não-superdotados.

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Fecha de Recepción: 24/09/2018 Fecha de Aceptación: 19/11/2018

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