A Fenomenografia como uma alternativa metodológica nas Ciências Sociais e Humanísticas

 

Phenomenography as a methodological alternative in the Social and Humanistic Sciences

 

 

Recibido: 29/11/2022

Aprobado: 14/12/2022

Luis Gustavo Nunes[1]

Marymili Segura Vera[2]

 

 

Resumo

 

O presente artigo busca descrever em detalhe a fenomenografia como uma alternativa de metodologia aplicada à pesquisa nas Ciências Sociais e humanísticas. O artigo descreve a criação desse método por Ference Marton no fim da década de 70 e seu desenvolvimento e estruturação a partir de autores como o próprio Marton, Booth, Halsselgreen e Bowden. Também são apresentadas as fases que compõem o método fenomenográfico, a saber: seleção dos participantes, realização de entrevistas, transcrição das entrevistas, análise de dados (seleção de citações, interpretação, formação de categorias descritivas) e organização do espaço de resultados. A presente investigação desenvolveu-se no marco de um desenho bibliográfico, de tipo documental, de nível descritivo. A fenomenografia vem se mostrando consistentemente adequada como uma metodologia na pesquisa qualitativa, quer pelo suporte epistemológico que o caracteriza, quer pela especificidade das fases que o compõem, em que são tidos em conta tanto os sujeitos envolvidos como a forma como a informação é obtida e processada dentro de uma perspectiva qualitativa. Dadas as mudanças sociais que se têm vivido ultimamente, como a globalização, tecnologias de informação e comunicação e a diversidade de pensamento que caracterizam aos diversos grupos sociais, se faz cada vez mais necessário abordar a realidade a partir das diferenças para se chegar a bases que permitam à humanidade seguir evoluindo. Para o qual a Fenomenografia se torna a alternativa mais adequada.

 

Palavras-chaves: fenomenografia, metodologia, Ciências Sociais, pesquisa.

 

Abstract

 

This article seeks to describe in detail phenomenography as an alternative methodology applied to research in the social and humanistic sciences. The article describes the creation of this method by Ference Marton in the late 1970s and its development and structuring based on authors such as Marton, Booth, Halsselgreen and Bowden. The phases that make up the phenomenographic method are also presented, namely: Selection of participants, Conducting interviews, Transcribing interviews, Data analysis (selection of citations, interpretation, formation of descriptive categories) and outcome space. The present investigation was developed within the framework of a bibliographical design, of a documentary type, of a descriptive level. Phenomenography has proven to be consistently adequate as a methodology in qualitative research, either because of the epistemological support that characterizes it, or because the specificity of the phases that compose it, in which both the subjects involved and the way in which information is obtained and processed are taken into account. within a qualitative perspective. Given the social changes that have been experienced lately, such as globalization, information and communication technologies and the diversity of thought that characterize different social groups, it becomes increasingly necessary to approach reality from the point of view of differences in order to arrive at the bases that allow humanity to continue evolving. For which Phenomenography becomes the most suitable alternative.

 

Keywords: phenomenography, methodology, Social Sciences, research.

 

Introdução

 

No desenvolvimento científico ocidental, tem sido percebido um padrão estabelecido que traz como base a formação de um raciocínio lógico acerca de um fenômeno identificável. Esse processo tem sido a base do progresso científico. As ciências, principalmente as exatas, progrediram continuamente a partir da premissa da racionalização sobre fenômenos perceptíveis, a cada época incrementando a possibilidade de verificação e/ou correção sobre o entendimento do fenômeno estudado. Para tanto tornou-se imprescindível a identificação de métodos que gerissem a análise dos fenômenos para garantir, não só a validade das conclusões, mais também, a credibilidade do processo.

Contudo, desde os gregos, a compreensão sobre os fenômenos tem se tornado a cada dia mais complexa, exigindo processos que sejam mais amplos e pertinentes ao fenômeno. Com a segmentação dos campos de estudo, e principalmente o surgimento das Ciências Sociais, metodologias aplicadas às ciências exatas têm se mostrado, por vezes, inadequadas para compreensão de fenômenos que possuem como característica uma composição quase randômica de variáveis e exigem uma compreensão mais holística para seu entendimento, que leve em consideração os sentimentos dos sujeitos envolvidos, bem como os aspectos sociais e culturais que os caracterizam.

Desde a consolidação das Ciências Sociais e as Ciências humanísticas, diversas metodologias de pesquisa surgiram para possibilitar uma compreensão mais plena desses fenômenos particularmente pertinentes à ação humana. Dentre essas metodologias destacam-se a Etnografia, a Fenomenologia, a Teoria Fundamentada e a Análise de Conteúdo, entre outros.

Esse artigo busca, descrever em detalhe a fenomenografia como uma alternativa de metodologia aplicada a pesquisas qualitativas, que recentemente tem apresentados resultados consistentes em áreas como administração e marketing e está se consolidando cada vez mais como uma alternativa aos métodos citados anteriormente nas pesquisas aplicadas às Ciências Sociais e humanísticas. Dado o interesse em fenômenos que são pautados pelo crer, sentir ou perceber pelos sujeitos envolvidos, nessas correntes cientificas, sobretudo no contexto de globalização que experimentamos atualmente, é necessário que se busquem metodologias que permitam não apenas a compreensão do fenômeno em si, mas como são percebidos de forma diferente pelos diversos participantes dentro da realidade estudada.

A presente investigação desenvolveu-se no marco de um desenho bibliográfico, de tipo documental, de nível descritivo. No qual se inicia com uma conceituação da fenomenografia como método dentro da abordagem qualitativa, seguida de um aprofundamento das Fases de uma Pesquisa Fenomenográfica. Analisando também em profundidade aspectos como os critérios de seleção dos participantes, as técnicas e instrumentos de recolha de dados utilizados no âmbito desta metodologia, as técnicas de análise de dados, bem como o espaço dos resultados e os aspectos éticos envolvidos neste tipo de pesquisas.

 

Conceitualizando a fenomenografia

 

Partindo do conceito de pesquisa elaborado por Lakatos e Marconi (2004), é prioritário que se observe o objeto da pesquisa com atenção para estabelecer sua natureza, características e quais as questões que lhe são inerentes de forma a perceber qual tipo de pesquisa será mais apropriado para trazê-lo a luz.

É interessante notar como o objeto de pesquisa em Ciências Sociais se encaixa nas próprias definições dadas por Sampieri (2014):

Con los estudios descriptivos se busca especificar las propiedades, las características y los perfiles de personas, grupos, comunidades, procesos, objetos o cualquier otro fenómeno que se someta a un análisis. Es decir, únicamente pretenden medir o recoger información de manera independiente o conjunta sobre los conceptos o las variables a las que se refieren, esto es, su objetivo no es indicar cómo se relacionan éstas. (Sampieri, 2014, p. 92)

Dentro do escopo de uma investigação qualitativa descritiva existem diversos processos sob os quais a pesquisa pode estruturar-se. Métodos como a fenomenologia descritiva, a fenomenologia interpretativa e a teoria fundamentada se mostram pertinentes, mas oscilam entre o foco no indivíduo e o foco no fenômeno (Cherman, 2013). Contudo, baseado no princípio de que as percepções são individuais, mesmo abordando um fenômeno compartilhado, e que a compreensão do mesmo está atrelada de forma indissociável a essas concepções, trazem a possibilidade de uma pesquisa estruturada no método fenomenográfico, pois este visa a identificação da essência da experiência humana ligada a um determinado evento, segundo a ótica dos participantes. Temos de nos atentar à diferenciação de métodos entre fenomenologia e fenomenografia, que, numa simplificação, é expressa por Marton (como e citado em Dias, 2010) como “Na fenomenologia, o foco de interesse é a ‘essência da experiência’, enquanto que a fenomenografia, como vimos, preza pela variação das experiências, pelas relações entre os indivíduos e os aspectos do mundo a sua volta” (pp 70-71).

Ou ainda, segundo Moreira (2002), sobre a fenomenografia:

é o estudo empírico dos diferentes modos através dos quais as pessoas vivenciam, percebem, apreendem, compreendem, ou conceituam vários fenômenos no, e aspectos do mundo em seu entorno. As palavras vivência, percepção, compreensão ou conceituação são usadas de maneira intercambiável. Porém, isso não significa que não há diferenças em seus significados, mas sim que o número limitado de maneiras, através das quais certo fenômeno é interpretado pelas pessoas pode ser identificado, por exemplo, independente de se estão embebidas na experiência imediata do fenômeno ou em uma reflexão sobre o mesmo fenômeno. (Moreira, 2002, p. 15)

Essa diferença pode ser entendida, em termos gerais, no quadro elaborado por Lopes (2012).

Quadro 1

O foco de pesquisa em três abordagens distintas

Fonte: Lopes, 2012

 

O interessante da fenomenografia no contexto das ciências sociais é o maior interesse na relação entre fenômeno e participantes, sem que se foque em um ou outro, estabelecendo contextualização não apenas sociocultural, mas integrando os aspectos subjetivos, histórico e sociais que determinam a individualidade de cada sujeito participante. Entendendo que cada sujeito tem uma percepção diferente, mas que todas as percepções se relacionam entre si, o pesquisador estabelece as formas dessa relação, em geral de forma hierárquica, possibilitando que, através da fenomenografia, pela ação do pesquisador, tenha-se cada vez mais uma compreensão integral do fenômeno estudado.

Apesar de também ser densa e necessitar de uma visão holística por parte do pesquisador, a fenomenografia não se prende tanto como a etnografia e no contato com o público a ser estudado e, em geral, se mostra menos rigorosa que a teoria fundamentada num sentido de descrição do fenômeno estudado em comparação com as percepções envolvidas. A figura 1, elaborada por Mann et al. (como são citados em Manhique, 2021) expressa a distinção entre a fenomenografia e outros métodos de pesquisa.

Outro ponto de ancoragem no método fenomenográfico é sua orientação a percepção de múltiplos pontos de vista. A fenomenografia pressupõe que as atores envolvidos tem maneiras diferentes de perceber, compreender, vivenciar e conceituar as situações em que se encontram em função da multiplicidade de suas experiências pregressas, sendo, segundo Marton (1981), uma metodologia cuja preocupação é explorar as relações entre as vivências dos atores e a situação, objetivando a descrição, análise e entendimento de como os atores interpretam diferentes aspectos da sua realidade. A escolha pela fenomenografia reside no foco, não na descrição do fenômeno, mas das percepções acerca dele.

 

Figura 1

Diferenças entre métodos

Fonte: elaboração própria com base em Mann et al. (como são citados em Manhique, 2021)

 

Tomando como base as diferenças na figura acima, ressalta-se que as pesquisas em ciências sociais e humanísticas não se encaixam numa postura dualista, pois apresentam diversas gradações, determinadas pelos múltiplos “backgrounds” dos participantes. O enfoque qualitativo abre um maior leque de possibilidades por tratarem da interpolação entre diversas variáveis que não podem ser compreendidas individualmente.

O uso de inferências de segunda ordem, assim como a possibilidade de relacionar internamente as percepções expressas pelos participantes, centrando na variação das mesmas, permite uma maior reflexão sobre o fenômeno estudado. Um exemplo dessa postura pode ser visto nas pesquisas em Educação, onde estudantes podem compreender melhor assuntos tratados em aula e os professores /pesquisadores tem uma melhor compreensão sobre a forma com que seus alunos aprendem, possibilitando novas abordagens.

 

História da fenomenografia

 

A fenomenografia, enquanto método de pesquisa, tem sua origem no final dos anos 1970, na Universidade de Göteborg (Suécia), na área da Educação. O precursor de tal método foi o psicólogo educacional Ference Marton, que desejava compreender o motivo de alguns alunos aprenderem melhor que outros, e que, como resultado, percebeu que as concepções dos alunos sobre aprender exerciam influência sobre a aprendizagem (Alves, 2015).

Segundo Lopes (2012), além de Marton, em 1981 e 1986, por meio de artigos, a fenomenografia não recebeu aportes teóricos até a segunda metade da década de 1990, quando “começou a ser desenvolvida uma literatura que descrevesse os requisitos metodológicos apropriados do método” (p. 85).

Em 1997, Marton & Booth definem a fenomenografia como uma abordagem ontologicamente não-dualista, pois, não se pensa num “mundo exterior”, mas na relação indissociável entre a pessoa e o mundo através da experiência/fenômeno. O mundo real é ao mesmo tempo objetivo e subjetivo, uma vez que é experimentado e compreendido pelos indivíduos (Lopes, 2012).

Da mesma forma e segundo o próprio Marton (1981) (como e citado em Charman & Rocha, 2016), o objetivo da fenomenografia trata de “encontrar e sistematizar formas de pensamento, em termos dos quais as pessoas interpretam aspectos da realidade que são socialmente significativos e presumidamente compartilhados pelos membros de um tipo de sociedade” (p. 633).

Nesse sentido, é necessária atenção a alguns conceitos inerentes a essa metodologia. O primeiro ponto a ser abordado trata da perspectiva de segunda ordem. A pesquisa fenomenográfica não pretende a definição de um fenômeno por suas caraterísticas (perspectiva de primeira ordem), mas o ponto de vista daqueles que compartilharam o fenômeno. O objeto de estudo da fenomenografia é, portanto, as percepções dos sujeitos envolvidos sobre o fenômeno (perspectiva de segunda ordem). Assim, o caráter geral do fenômeno se dá pela interpretação coletiva das diversas variações de compreensão individual. É importante destacar que a fenomenografia considera que qualquer fenômeno só pode ser experimentado/compreendido em um número limitado de formas, pois trata-se de um fenômeno experimentado, geralmente, por indivíduos que compõem um grupo específico com características compartilhadas.

Figura 2

Objeto de estudo em fenomenografia

Fonte: Lopes, 2012 - adaptado de Bowden  (2005, p. 18)

 

O segundo conceito a ser ressaltado é o da consciência focal. Para Marton & Booth (1997) não é possível uma descrição completa de uma experiência e, por isso, os indivíduos focam nos aspectos mais significativos. Tal conceito se torna mais relevante uma vez que tais aspectos são condicionados pelas diferentes trajetórias individuais e, ainda mais importante, podem sofrer mudanças à medida que os indivíduos refletem sobre o fenômeno.

Ligado ao conceito da consciência focal, temos o conceito de categorias descritivas. Uma vez que o fenômeno é abordado em função dos relatos daqueles que o experimentaram (perspectiva de segunda ordem), é função do pesquisador reconhecer os aspectos do discurso que trazem informações pertinentes e categorizá-las em grupos que, coletivamente, representem as percepções individuais acerca do fenômeno. Vale destacar que as categorias descritivas tendem a estruturar-se hierarquicamente quanto mais aspectos do fenômeno trazem para a consciência focal.

Por fim, na pesquisa fenomenográfica, o conjunto das categorias descritivas estruturado logicamente é chamado de espaço de resultados (outcome space). Segundo Marton & Booth (1997), todo espaço de resultados deve orientar-se a criar categorias distintas sobre o fenômeno e que apresentem uma relação lógica e/ou hierárquica entre sí. Também é desejável que o espaço de resultados apresente o menor conjunto possível de categorias descritivas para que se possa captar as variações das concepções.

De acordo com Hasselgren & Beach (como são citados em Lopes, 2012) podemos estabelecer uma tipificação da fenomenografia nos diferentes contextos de produção, sendo identificados cinco formas de aplicação do método: Experimental, Discursiva, Naturalística, Hermenêutica e Fenomenológica.

A fenomenografia discursiva, ou fenomenografia pura de Marton (1986) e Säljö (1994) (como são citados em Cherman, 2013) “trata de respostas práticas às demandas de investigação de um tipo particular de objeto de pesquisa, sob diferentes condições, com o objetivo de mapear as concepções dos indivíduos acerca dos diferentes aspectos da realidade” (p. 119).

Após os trabalhos de Hasselgren & Beach, no início dos anos 2000 surgiu um novo tipo de fenomenografia designado como fenomenografia do desenvolvimento. Esse novo tipo foi elaborado pelo professor John A. Bowden do Royal Melbourne Institute of Technology (Australia) como uma forma de melhor estruturar e dar mais rigor ao método fenomenográfico e, diferentemente da fenomenografia pura, buscando uma maior aplicação prática. Em palavras de Cherman (2013), a fenomenografia do desenvolvimento procura

descobrir o modo como as pessoas vivenciam alguns aspectos de seus mundos, mas, diferentemente do que ocorre com a ‘Fenomenografia Pura’, não se limitaria à descrição destas experiências. O resultado da Fenomenografia do Desenvolvimento deve ser usado como uma ferramenta de mudança na forma como as pessoas lidam com suas realidades, servindo para influenciá-las e tendo, portanto, um sentido prático. (p. 120-121)

 

Fases de uma pesquisa fenomenográfica

 

A pesquisa fenomenográfica pode ser sintetizada em fases. A partir da definição do objeto de estudo, o primeiro passo numa pesquisa fenomenográfica é a determinação da seleção da amostra. Green (como e citado em Cherman, 2013) recomenda que a amostra na pesquisa fenomenográfica deve ser intencional, orientada para a busca de perfis que possibilitem explicitar tal variação.

Trazendo essas premissas para o campo das pesquisas em ciências sociais e humanísticas, podemos usar como exemplo uma pesquisa com estudantes universitários sobre suas percepções sobre determinada disciplina. A seleção de participantes deve prever estudantes com históricos educacionais, sociais e econômicos diferentes, e em diversos estágios do curso, possibilitando maior variedade de percepções sobre a disciplina.

Estabelecida uma amostra viável, o segundo passo é a preparação para a coleta de dados. Apesar das diferentes correntes possibilitarem uma amplitude de instrumentos para a coleta de dados (Cherman, 2013), é notável como todas apontam a entrevista semiestruturada como o principal instrumento para coleta de dados em uma pesquisa fenomenográfica. A este respeito, Bowden e Green (2005) indicam que a entrevista deve ser o único meio de coleta de dados no método fenomenográfico, postulando uma série de condicionantes para a realização das entrevistas.

Uma vez que as entrevistas são realizadas, o terceiro passo é a transcrição delas. Novamente existem divergências entre as diversas correntes, agora quanto ao uso de observações por parte do pesquisador.

Após a transcrição, procede-se com o quinto passo que é a análise de dados. É importante salientar que o método fenomenográfico é indutivo, sendo os resultados principalmente (no caso da fenomenografia discursiva/pura) ou unicamente (no caso da fenomenografia do desenvolvimento) derivados dos dados transcritos (Cherman, 2013).

Akerlind (2005a), Barnacle (2005) e Sandberg (2000) (como são citados em Cherman, 2013) apontam que:

Em ambos os tipos de Fenomenografia, a análise de todas as entrevistas é simultânea, ou seja, não é observada a transcrição de uma entrevista em particular, mas a relação das entrevistas entre si: quais delas agrupam concepções similares ou dissimilares, quais delas apresentam maior proximidade ou distanciamento entre si. (p. 137)

Nesse sentido Bowden (2005) (como e citado em Cherman, 2013) afirma que “Assim, a análise é tomada através dos indivíduos, isto é, o método promove a descontextualização do indivíduo e vozes individuais não são levantadas” (p. 137).

A análise de dados traz a luz uma série de categorias de descrição. A formação dessas categorias de descrição é o sexto passo. O sétimo e último passo é a organização das categorias pelo investigador de forma a consolidar um espaço de resultados.

A figura abaixo ilustra as fases do método fenomenográfico a partir de uma síntese dos autores estudados.

Figura 3

1Síntese das fases da fenomenografia

 

Texto

Descrição gerada automaticamente

Fonte: elaboração própria com base em Marton e Booth (1997); Bowden (2005); Lopes (2012); Cherman (2013)

 

No exemplo utilizado anteriormente, de uma pesquisa com estudantes universitários, seguir as fases de uma pesquisa fenomenográfica fortaleceria os aspectos metodológicos, além de assegurar a diferenciação entre as perspectivas encontradas, tornando mais palpável a essência do fenômeno, nesse caso, a disciplina estudada. Logrando uma aproximação real sobre o que os estudantes, como grupo social, esperam dessa disciplina.

 

 

 

Participantes (critérios de seleção)

 

Quanto à seleção dos entrevistados, torna-se necessário abordar as premissas pertinentes ao método fenomenográfico. Pesquisadores como Marton & Booth (1997), Bowden (2005), Lopes (2012) e Cherman (2013) corroboram sobre a necessidade de uma amostra intencional que permita que as variações de percepções possam emergir. Também abordam a necessidade de relação entre os sujeitos e o fenômeno.

Marton & Booth (1997) salientam a necessidade de que a seleção reflita a experiência no fenômeno investigado, enquanto Bowden (2000) preconiza a seleção que maximize a variação de experiências e Trigwell (2000) indica a necessidade de um número adequado de participantes. É aconselhável que essas diretrizes sejam tabuladas de forma a indicar a adequação das mesmas na pesquisa.

 

Técnicas e instrumentos para coleta de dados

 

Além das anotações do pesquisador sobre o contexto, as técnicas e ferramentas utilizadas na coleta de dados também tem importância significativa. Segundo Lakatos & Marconi (2004), as técnicas de coleta de dados “são um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência; são, também, as habilidades para usar esses preceitos ou normas, na obtenção de seus propósitos” (p. 174).

Entrevistas são um dos métodos primários de coleta de dados. Classificam-se entre estruturadas, semiestruturadas e abertas (ou livres). Entrevistas semiestruturadas possuem um roteiro prévio estabelecido, mas dão ao entrevistador a oportunidade de novos questionamentos a partir das respostas obtidas (desde que em consonância com o tema a ser pesquisado).

Ao respeito, Cherman (2013) destaca que no caso de uma entrevista fenomenográfica, trata-se de uma entrevista em profundidade, baseada em um roteiro semiestruturado e com algumas particularidades na elaboração do roteiro e na fase de realização das entrevistas de forma a lhe conferir maior rigor dentro do método. Dentre essas particularidades o referido autor menciona os seguintes procedimentos:

01 – O entrevistador deve evitar introduzir novos materiais e temas evitando perca do foco

02 – O entrevistador deve ter extrema cautela para evitar reportar seus próprios conceitos ou julgamentos.

03 – Tentar criar uma “atmosfera empática” que estimule o entrevistado a externar seu entendimento sobre o fenômeno.

04 – Realizar todas as entrevistas dentro de um curto período.

 

De um modo geral, a entrevista fenomenográfica tenta limitar os assuntos abordados e, por meio do roteiro semiestruturado, introduzir o tema ao entrevistado de forma que ele reflita sobre o que é pertinente sobre o tema. Contudo, cabe ao pesquisador instigar o entrevistado na busca pela explicação completa do fenômeno.

Recomenda-se que as entrevistas sejam gravadas em vídeo de formato digital, tendo seu conteúdo transcrito com a maior fidedignidade e integralidade. Vale salientar que a gravação em vídeo também permite ao pesquisador observar reações ou outros fatos pertinentes que pode dirimir dúvidas quanto à fala do entrevistado. Os atores entrevistados devem ser identificados por meio de pseudônimos, garantindo seu anonimato.

Uma vez que se trata de um estudo fenomenográfico, é importante que se ressalte a racionalização por parte dos atores quanto às respostas apresentadas. Somente através de um processo no qual os participantes são capazes de estruturar suas percepções para só então expressá-las é possível coletar dados pertinentes e fidedignos.

 

Técnicas de análise de dados

 

Segundo Alves (2012), a análise das transcrições literais das entrevistas é a parte mais desafiadora do método fenomenográfico. Da mesma forma, Marton & Booth (1997) indica que as transcrições constituem o material empírico de suporte para a análise qualitativa na busca das percepções qualitativamente diferentes a serem estruturadas num número limitado de categorias. Para esse fim, Sjöström & Dahlgren (como são citados em Alves, 2012) consideram algumas etapas:

1ª Etapa: Familiarização dos as transcrições. As transcrições foram lidas diversas vezes para que o pesquisador se familiarizasse com o conteúdo.

2ª Etapa: Compilação. Leitura com foco na dedução de diferenças e semelhanças entre as transcrições.

3ª Etapa: Condensação. Seleção de extratos das transcrições que indicaram os elementos centrais das percepções dos participantes.

4ª Etapa: Agrupamento. Classificação dos elementos encontrados em uma lista de categorias preliminares

5ª Etapa: Comparação. Possibilitou a delimitação das categorias.

Após a comparação, foi feita uma releitura das transcrições para aferir se as categorias estabelecidas representavam, de fato, a estrutura do fenômeno segundo os participantes.

6ª Etapa: Nomeação. A partir da confirmação das categorias, elas foram identificadas por meio de um título que permitiu enfatizar sua essência e distinguir suas variações.

7ª Etapa: Espaço de Resultados. Nessa etapa foi realizada uma descrição das categorias apontando suas interrelações e suas diferenças de forma a estabelecer uma relação logica entre elas.

Dessa forma, a sequência de fases fenomenográficas expressa anteriormente passou a seguinte configuração:

 

 

 

 

Figura 4

Fases do processo e análise fenomenográfica

 

Diagrama

Descrição gerada automaticamente 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Fonte: elaboração própria

 

Ressalta-se que as primeiras leituras das transcrições devem ser realizadas com alto grau de abertura, mas que cada nova leitura será acrescida de uma maior atenção a aspectos significativos. Akerlind (como e citado em Lopes, 2012) destaca:

O processo como todo é fortemente interativo e comparativo, envolvendo uma continua classificação e reclassificação dos dados, além da progressiva comparação entre dados e as categorias de descrição desenvolvidas, assim como comparação entre as próprias categorias. (Akerlind, 2005, como citado em Lopes, 2012, p. 108).

No escopo das ciências sociais e humanísticas, é interessante ressaltar como a própria sequência de análise de dados elaborada pela fenomenografia permite a sistematização das percepções a partir do discurso, o que, por um lado permite uma compreensão mais realista sobre a essência do fenômeno e, por outro lado permite que sejam elaboradas ações para que os envolvidos possam refletir sobre o que foi experimentado com mais propriedade.

 

Espaço de resultados

 

Conforme argumentam Marton e Booth (1997) por conta de os modos de experimentar algo serem representações entre sujeito e fenômeno, induz-se que os diferentes modos de se experimentar algo estejam logicamente relacionados. A proposição básica de método fenomenográfico é de que as diferentes categorias descritivas (modos de experimentar um fenômeno) estão relacionadas umas às outras segundo uma relação estrutural, sendo a ação do pesquisador, identificar e expor essa estrutura através de um “espaço de resultados”.

Nas palavras de Alves (2015):

O conjunto de categorias descritivas das concepções, lógica e hierarquicamente organizadas, que refletem os modos de experimentar um fenômeno é chamado espaço de resultado (outcome space), produto da pesquisa fenomenográfica. No espaço de resultado as categorias descritivas são organizadas por graus crescentes de compreensão, onde as mais avançadas representam uma compreensão mais completa ou complexa do fenômeno, enquanto aquelas menos avançadas representam uma compreensão menos complexa ou completa. (p. 63)

 

Como citado anteriormente, para Marton e Booth (1997) estabelecem como critério para o espaço de resultados que: 1) As categorias devem estar claramente ligadas ao fenômeno de modo a explicitar uma característica de modo particular; 2) As categorias devem manter uma relação lógica entre sí; 3) O conjunto de categorias deve conter a menor quantidade de categorias que tornem possível explicitar a variação de percepções presente nas transcrições.

Destaca-se a fala de Bowden (2005) que alerta que os sujeitos podem transitar entre as diferentes categorias de descrição na medida em que refletem sobre o fenômeno.

O espaço de resultados representa uma imagem coletiva de um determinado grupo sobre um fenômeno compartilhado (Marton & Säljö, 1986).

Uma das ações tomadas da fenomenografia do desenvolvimento na busca por uma validação do método é o processo de debriefing ou validação com pares. As categorias de descrição elaboradas pelo pesquisador devem ser analisadas do ponto de vista de coerência das descrições, da lógica de estruturação e da conformidade com as transcrições por pesquisadores externos, para validação. No caso deste trabalho, um Professor Doutor em Letras, coordenador de curso de uma faculdade pública estadual, e uma Arquiteta Doutora atuante no município de Teixeira de Freitas – BA, onde se realiza o estudo, receberam, cada um, transcrições de 2 entrevistas para leitura, análise e validação das categorias encontradas.

Akerlind (como e citado em Lopes, 2012) indica que a lógica encontrada nem sempre será linear, havendo possibilidade organização através de estruturas ramificadas.

 

Aspectos Éticos

 

Na maioria dos casos, a validade de uma pesquisa não é facilmente comprovada. Na pesquisa qualitativa, problemas como a validade científica do estudo ou o caráter subjetivo/objetivo do investigador são constantemente trazidos à baila. Já que o pesquisador está imerso no processo de produção de conhecimento, torna-se impreterível que ele reconheça a subjetividade inerente ao processo, no sentido de estabelecer uma objetividade. Contudo, apesar de ser uma limitação, não invalida os resultados da pesquisa.

Em tal sentido, Batista (2018) destaca que a validade e confiabilidade da pesquisa fenomenográfica pode ser alcançada com os seguintes critérios:

Validade Comunicativa: traduzido como um diálogo ininterrupto buscando a coerência entre a interpretação do pesquisador e as transcrições investigadas.

Validade Pragmática: Pode ser entendido como a checagem entre o discurso e a prática dos sujeitos da pesquisa.

Validade Transgressiva: Encontrada na busca, não pela coerência entre as falas, mas justamente nas contradições e diferenças encontradas.

Confiabilidade da Consciência Interpretativa: Expressa na constante demonstração do pesquisador em controlar e verificar suas interpretações ao longo da pesquisa, uma vez que se reconhece que elas são inerentes e indissociáveis ao ser humano.

 

Considerações Finais

 

Somente através da correta caracterização e entendimento do objeto de estudo se pode definir uma metodologia adequada para sua compreensão. Nesse sentido, novas metodologias, que apresentem uma capacidade de sistematização e interpretação da informação coerente e efetiva devem ser vistas como opções validas para produção cientifica desde uma abordagem qualitativa. No caso das ciências sociais e humanísticas são realmente necessárias ferramentas metodológicas que garantam a objetividade da investigação e também leve em conta o contexto social, cultural, histórico e psicológico que constituem a cada um dos sujeitos que participam nesse tipo de pesquisa.

A fenomenografia vem se mostrando consistentemente adequada para tal tarefa quer pelo suporte epistemológico que o caracteriza, quer pela especificidade das fases que o compõem, em que são tidos em conta quer os sujeitos envolvidos quer a forma como a informação é obtida e processada dentro de uma perspectiva qualitativa, sendo que suas fases facilitam a abordagem sistemática da investigação e ainda garantem o rigor científico necessário para dar credibilidade a qualquer pesquisa.

Na fenomenografia, como método, se dá muita importância a análise dos resultados, provendo procedimentos e estratégias bem definidas em cada uma de suas fases, o que torna seu espaço de resultados uma síntese sobre as percepções elencadas.

Dadas as características que definem as Ciências Sociais e as Humanísticas, em que o ser e seu entorno são parte importante da realidade e, portanto, da dialética investigativa, caberá ao pesquisador encontrar a forma que lhe seja mais pertinente para conduzir sua pesquisa de acordo com seus objetivos e contexto em que será desenvolvido.

O meio educativo, por suas características sociais e humanísticas, vem a ser um espaço em que a fenomenografia pode dar frutos importantes, por proporcionar maior amplitude de ação pelos pesquisadores/docentes, uma vez que traz a baila percepções que podem incrementar a reflexão dos participantes nos mais variados aspectos.

Apesar da Fenomenografia ser uma metodologia existente há várias décadas, sua utilização foi precária durante muitos anos. Porém, dadas as mudanças sociais que se tem vivido ultimamente, como a globalização, tecnologias de informação e comunicação e a diversidade de pensamento que caracterizam aos diversos grupos sociais, se faz cada vez mais necessário abordar a realidade a partir das diferenças para se chegar à bases que permitam à humanidade seguir evoluindo.  Para o qual a Fenomenografia se torna a alternativa mais adequada.

 

Referências

 

Alves, M. F. (2015). O papel das Bibliotecas Públicas na promoção do Letramento Informacional: a percepção dos bibliotecários [Dissertação Mestrado].  Universidade de Brasília.

Batista, C. E. (2018). Competência gerencial do bibliotecário em contextos empresariais: um estudo fenomenográfico. [Dissertação de mestrado]. Universidade Federal do Espírito Santo.

Bowden, J. (2005).  Reflections on the phenomenographic team research process. In J. Bowden & P. Green (Orgs.), Doing developmental phenomenography (Qualitative Research Methods Series). RMIT University Press.

Bowden, J. & Green, P. (2005).  Doing developmental phenomenography. (Qualitative Research Methods Series). RMIT University Press.

Cherman, A. (2013). Valoração do conhecimento nas organizações: percepções dos indivíduos e impactos nas práticas organizacionais [Tese de doutorado]. Repositório institucional - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Cherman, A. & Rocha, S. (2016). Fenomenografia e Valoração do Conhecimento nas Organizações: Diálogo entre Método e Fenômeno. Rev. adm. Contemp, 20 (5), 630-650. https://www.scielo.br/j/rac/a/Pv6DNF6X8VmbpPDt3JbCxcc/?format= pdf&lang=pt

Dias, P. (2010). A diversidade em equipes sob a ótica do gerente de projetos. [Dissertação Mestrado]. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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[1] Especialista em Computação Gráfica, Arquiteto Urbanista, professor da Faculdade Anhanguera Teixeira de Freitas-BA, mestrando em Educação pela Universidade de la Empresa.

[2] PhD em Ciências Sociais. Professora do Mestrado em educação, Universidad de la Empresa. Professora da Facultade de Ciências da Saúde, Universidad de Carabobo