Estudos iniciais sobre a curricularização da extensão universitária em Circo
Initial studies on the curricularization of university extension in Circus
Estudios iniciales sobre la curricularización de la extensión universitaria en Circo
Aprobado: 13/08/2024
Este artículo ha sido aprobado por la editora, Dra. Susana Graciela Pérez Barrera
Poliana Helena Alves Vieira[1]
Resumo
Este artigo apresenta estudos iniciais do projeto de pesquisa que abordará a curricularização da extensão universitária em Circo nas carreiras de Artes Cênicas e Educação Física, apresentado durante o II Congresso Internacional de Investigação em Educação, da UDE - Universidad de La Empresa - no Uruguai, o problema disparador deste trabalho é a ausência da graduação em Circo no Brasil. Como resultado, o artigo apresenta o impacto das ditaduras no desenvolvimento da extensão universitária crítica na América do Sul e a diversidade de espaços e áreas do conhecimento onde o Circo se encontra, apontado na ambivalência do Sublime e do Grotesco do Corpo enquanto matriz do Circo, como possível justificativa dessa diversidade de ocorrências. Neste artigo há parte dos antecedentes de investigação e marco teórico desenvolvidos até o momento. Para as fontes documentais, foram considerados documentos que normatizam a profissão em Circo no Brasil, artigos acadêmicos e plataformas de pesquisa unificada do Ministério da Educação. O marco teórico considera pesquisadores sobre a extensão universitária e a curricularização na América Latina, influenciados pela obra de Paulo Freire, os autores uruguaios Humberto Tommasino e Agustín Cano, a brasileira Simone Imperatore e também a pesquisa de Mário Fernando Bolognesi, que fundamenta as principais características do Circo enquanto linguagem deste artigo.
Palavras-chave: extensão universitária, curricularização, circo, cultura, ditadura.
Abstract
This paper presents initial studies of the research project that will address the curricularization of university extension in Circus in the Performing Arts and Physical Education careers, presented during the II International Congress of Research in Education, from UDE - Universidad de La Empresa - in Uruguay. The triggering problem of this work is the absence of a Circus degree in Brazil. As a result, the paper presents the impact of dictatorships on the development of critical university extension in South America and the diversity of spaces and areas of knowledge where Circus is found, pointed out in the ambivalence of the Sublime and the Grotesque of the Body as a matrix of Circus, as a possible justification for this diversity of occurrences. This paper presents part of the research background and theoretical framework developed so far. For the documentary sources, documents that standardize the Circus profession in Brazil, academic articles and unified research platforms of the Ministry of Education were considered. The theoretical framework considers researchers on university extension and curricularization in Latin America, influenced by the work of Paulo Freire, the Uruguayan authors Humberto Tommasino and Agustín Cano, the Brazilian Simone Imperatore and also the research of Mário Fernando Bolognesi, which underpins the main characteristics of Circus as the language of this article.
Keywords: university extension, curricularization, circus, culture, dictatorship.
Resumen
Este artículo presenta los estudios iniciales del proyecto de investigación que abordará la curricularización de la extensión universitaria en Circo en las carreras de Artes Escénicas y Educación Física, presentado durante el II Congreso Internacional de Investigación en Educación, de la UDE - Universidad de La Empresa - en Uruguay. El problema desencadenante de este trabajo es la ausencia de la licenciatura en Circo en Brasil. Como resultado, el artículo presenta el impacto de las dictaduras en el desarrollo de la extensión universitaria crítica en América del Sur y la diversidad de espacios y áreas del conocimiento donde se encuentra el Circo, señalado en la ambivalencia de lo Sublime y lo Grotesco del Cuerpo como matriz del Circo, como posible justificación de esta diversidad de ocurrencias. En este artículo se encuentran parte de los antecedentes de investigación y marco teórico desarrollados hasta el momento. Para las fuentes documentales, se consideraron documentos que norman la profesión en Circo en Brasil, artículos académicos y plataformas de investigación unificada del Ministerio de Educación. El marco teórico considera a investigadores sobre la extensión universitaria y la curricularización en América Latina, influenciados por la obra de Paulo Freire, los autores uruguayos Humberto Tommasino y Agustín Cano, la brasileña Simone Imperatore y también la investigación de Mário Fernando Bolognesi, que fundamenta las principales características del Circo como lenguaje de este artículo.
Palabras clave: extensión universitaria, curricularización, circo, cultura, dictadura.
Introdução
Este artigo apresenta estudos iniciais do projeto de pesquisa em desenvolvimento, intitulado até o momento como: Extensão Universitária em Circo - a curricularização em Artes Cênicas e Educação Física, apresentado parcialmente em janeiro de 2024, durante o II Congresso Internacional de Investigação em Educação da UDE - Universidad de la Empresa - no Uruguai. Conforme apresentado na ocasião, o problema disparador deste trabalho é a ausência da graduação em Circo no Brasil, a partir das pautas reivindicatórias da categoria circense durante as etapas preparatórias para a 4ª Conferência Nacional de Cultura (4ª CNC), realizada pelo Ministério da Cultura do Brasil (MinC) em março de 2024. Durante a etapa Setorial de Circo da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo (SCEIC SP), em 13 de novembro de 2023, quando a categoria circense reivindicou a “criação de curso superior reconhecido nacionalmente para Circo, há exemplo de países como a Argentina, Itália etc, que possuem nível superior em Circo, no Brasil temos apenas até o nível técnico” (Secretaria da Cultura, 2023, p. 1), tal proposta foi apresentada pela categoria como uma das prioridades de implementação.
Cabe ressaltar que as conferências de cultura no Brasil, refletem as lacunas do setor e norteiam as políticas públicas culturais que estão sendo traçadas nacionalmente e todasas etapas que consolidam a 4ª CNC, como apresentado no Art. 1º do ANEXO I da portaria ministerial de sua convocação, terão:
[...] como tema central "Democracia e Direito à Cultura" e como objetivo geral promover o debate sobre as políticas culturais com ampla participação da sociedade, visando o fortalecimento da democracia e a garantia dos direitos culturais em todos os âmbitos da federação, de forma transversal com todas as políticas públicas sociais e econômicas do Brasil. (Brasil, 2023)
Percebe-se assim o objetivo transversal da 4ª CNC, que deve impactar em outras áreas, como a educação, além do seu papel central de rever e propor um novo plano nacional de cultura. Cabe ressaltar que as escolhas feitas pelo tema de pesquisa se dão a partir do envolvimento da autora com a temática Circo, tanto profissional, quanto por sua atuação no movimento sindical, pautada pela problemática da regulação e formação para a profissionalização do trabalhador circense. Um dos aspectos que poderemos observar neste artigo, é o contorno estreito entre Ministérios da Cultura e da Educação, movimentos sociais e sindicais na problemática central apresentada pelo Circo.
Neste projeto a palavra Circo será usada com letra maiúscula a fim de diferenciar a linguagem do espaço físico ou seu uso enquanto adjetivo. O artigo está dividido entre problema de investigação, marco teórico e conclusão. O problema de investigação apresenta as perguntas disparadoras: Como está regulamentada a profissão circense? O que existe de formação regulamentada pelo Ministério da Educação (MEC) em Circo? E para o marco teórico temos os tópicos: o sublime e o grotesco, a partir de estudos de Mário Fernando Bolognesi e extensão universitária, considerando pesquisas de Simone Imperatore, Humberto Tommasino e Agustín Cano.
Problema de investigação
A fim de compreender o panorama da profissionalização e formação em Circo no Brasil, partimos de algumas perguntas disparadoras, com o suporte de marcos legais da profissão; documentos sindicais; atas de conferências de cultura temáticas; artigos acadêmicos e plataformas unificadas do Ministério da Educação (MEC).
Como está regulamentada a profissão circense?
A Lei 6533/1978 é o ponto inicial de análise da profissão circense, a Lei regulamenta 22 profissões exclusivamente circenses como: acrobata; mágico; capataz; secretário de frente; domador e etc., entre outras vinculadas às artes cênicas e espetáculos de diversões. Kronbauer e Nascimento (2019) destacam o período de abertura política do Brasil, como marco fundamental para a criação da Lei:
[...] o regime militar se encaminhava para o fim e a iminente abertura política trouxe novas possibilidades para os artistas. Uma das estratégias que contemplou todo o cenário artístico do período, foi a regulamentação da profissão do artista e técnico em espetáculos com a Lei 6.533, de maio de 1978. A lei previa vínculo empregatício regularizado, uma vez que artista se tornou profissão aos olhos da lei, matrícula nas escolas para filhos de artistas itinerantes, aposentadoria, entre outros aspectos. (Kronbauer &Nascimento, 2019, p. 705)
Sem dúvida um marco importante para todos os artistas e técnicos reconhecidos, porém sem grandes alterações desde então, a Lei 6533/1978 não apresentou mudanças que pudessem acompanhar as transformações das relações de trabalho, assim como a formação circense não teve avanços para o nível superior, como veremos mais à diante. Com o cruzamento das informações da Lei 6533/1978 com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) realizado pelo Sindicato de Artistas e Técnicos de Espetáculos de São Paulo (SATED/SP) em 2022, percebemos que, há novas classificações na CBO não presentes na Lei, e que algumas presentes na Lei não constam na CBO, a exemplo de capataz, que não se vincula à atividades técnico artísticas na CBO. E ao observamos a pauta salarial reivindicatória do mesmo Sindicato no ano de 2022, referente aos profissionais em Circo, percebemos também que hoje em dia há profissões com atuação única e exclusivamente dentro do espaço físico da lona de circo, como o eletricista de circo e o capataz, técnicos fundamentais para a infraestrutura da lona, em contraponto a pauta salarial destaca outros profissionais, principalmente os artistas e técnicos da cena que podem atuar por diversos espaços como praças, ruas e teatros, ampliando a relação empregado e patrono, com formatos de contratação que superam as previstas na Lei 6533/1978.
A partir desse panorama inicial das profissões regulamentadas do Circo, com visível necessidade de reforma, podemos observar uma grande problemática de unidade formativa, técnicos de diversos níveis e artistas de diversas habilidades compartilham da mesma linguagem, o Circo, em ambientes de atuação também diversos, todos com necessidades específicas de formação.
O que existe de formação regulamentada pelo MEC?
Concomitantemente com a criação da Lei 6533/1978 que reconhece as profissões artísticas e técnicas no Brasil, período que coincide com as mudanças no modo de produção das famílias tradicionais circenses e com o período de transição da ditadura militar no Brasil para o período democrático (Kronbauer & Nascimento, 2019), surgem algumas escolas de Circo, algumas financiadas pelo Estado:
A Academia Piolin de Artes Circenses, instituição estatal, foi fundada em São Paulo em 1978, mas em 1983 já havia fechado suas portas (SILVA E.; ABREU, 2009). Nos anos seguintes surgiram a ENC, criada pelo Governo Federal (1982, Rio de Janeiro), o Circo Escola Picadeiro (São Paulo, 1984) e a Escola Picolino de Circo (Salvador, 1985). (Kronbauer & Nascimento, 2019, p. 705)
A Escola Nacional de Circo (ENC), reaberta recentemente com a retomada do Ministério da Cultura no Brasil (MinC), ilustra muito bem o período observado, quando na época o Brasil contava com o Ministério da Educação e Cultura (1953 - 1985), com uma política de formação tecnicista, ainda de gestão militar, voltada aos moldes norte-americanos e às demandas de mão de obra para uma sociedade capitalista burguesa (Kronbauer & Nascimento, 2019). Coube à Fundação Nacional de Artes (FUNARTE), inaugurada em 1975, hoje vinculada ao MinC e não ao Ministério da Educação (MEC), a manutenção da ENC, hoje Escola Nacional de Circo Luiz Olimecha (ENCLO), que desde sua fundação em 1982 não superou o nível de formação técnica.
Para análise do panorama oficial da formação profissional em Circo no país nos dias de hoje, foi feita uma revisão nas páginas e catálogos oficiais do MEC, níveis superior e técnico, com filtro das palavras circo e circense. Cabe destacar que podem haver desatualizações, embora os dados sejam atuais, uma vez que cabe também aos estados e municípios o envio das informações à federação.
Nível Técnico
Encontramos no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT) (Ministério da Educação, 2024b) dentro do Eixo de Produção Cultural e Design, a normatização do Técnico em Artes Circenses, com carga horária mínima de 1.200 horas. Esta formação habilita o estudante a:
Criar, desenvolver e executar apresentações circenses em espaços de circo, teatro, estúdio de televisão, públicos e culturais. - Utilizar técnicas artísticas e corporais de acrobacia aérea e de solo, equilibrismo, malabarismo, antipodismo, ilusionismo, comicidade, canto, dança e pantomima. - Organizar e supervisionar a estrutura, a montagem e o funcionamento do circo e dos equipamentos. - Administrar, produzir e divulgar espetáculos. (Brasil, 2024b, p. 285)
O CNCT (Ministério da Educação, 2024b) relaciona a formação com a Lei nº 6.533/1978 e o Decreto nº 82.385/ 1978 e também à trinta e duas profissões previstas na CBO. Quando observamos os encaminhamentos do CNCT sobre o itinerário formativo, ou seja, as possíveis alternativas de continuidade para a formação de nível superior, temos a sugestão de cursos superiores de tecnologia, bacharelado e licenciatura “Curso Superior de Tecnologia em Produção Cultural - Curso Superior de Tecnologia em Produção Cênica - Bacharelado em Educação Física - Licenciatura em Educação Física - Bacharelado em Artes - Licenciatura em Artes” (Brasil, 2024b, p. 286).
E como “campo de atuação Locais e ambientes de trabalho” a formação técnica habilita o estudante a trabalhar em:
Circos, Picadeiros, Espaços de Interação Social, Lazer e Cultura, Casas de Espetáculos, Festivais, Mostras e Eventos de naturezas diversas, Escolas, Hospitais, Centros e Espaços Culturais Produtoras Culturais Empresas de Eventos e Recreação. (Brasil, 2024b, p. 286)
Sobre a oferta, localizamos em todo território nacional, a existência de apenas sete instituições com a formação de Técnico em Artes Circenses, sendo duas em Belo Horizonte/MG; uma em Londrina/PR; uma em Florianópolis/SC; uma em Nilópolis/RJ e duas em Goiânia/GO (Brasil, 2024a).
Podemos observar aqui que a formação de Técnico em Artes Circenses, se relaciona apenas com as profissões artísticas prevista na Lei 6533/1978 e CBO, excluindo as profissões da técnica, e também, que há um direcionamento à formação superior para áreas diversas do conhecimento, como educação, artes e produção/gestão cultural, não apresentando uma cobertura em todo território nacional desta oferta de nível técnico, sem ocorrências nas regiões norte e nordeste do país.
Nível Superior
A partir do Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior (Brasil, 2024a), usando como filtro as palavras circo e circense, não foi localizada nenhuma ocorrência na aba graduação, ou seja, não existe graduação, licenciatura ou bacharelado em Circo no Brasil, comprovando a demanda apresentada pela categoria destacada na introdução.
Porém, na aba especialização, localizamos seis ocorrências de pós graduação, com três já desativadas, todas com carga horária de 360 horas, sendo as ainda ativas: Circo – Pedagogia Circense, formato presencial no Centro Universitário de Tecnologia de Curitiba; Pedagogia Social com Ênfase em Técnicas Circenses, presencial na Faculdade São Marcos (FASAMAR) de Caçapava/SP e a especialização em Pedagogia Social Com Ênfase Em Técnicas Circenses na modalidade e ensino à distância da Faculdade Dominius (FAD) em Guanambi - BA (Ministério da Educação, 2024a). De acordo com o portal, todas relacionadas à área de conhecimento “01 - Educação” de acordo com os parâmetros do Cadastro, cabe ressaltar que as especializações descontinuadas, não mencionadas, se encontravam em áreas distintas, “02 - Artes e humanidades” e “09 - Saúde e bem-estar” (Brasil, 2024a).
O nível superior também apresenta uma outra modalidade onde o Circo pode ser encontrado, a extensão universitária, que infelizmente ainda não possuímos no Brasil uma plataforma ou catálogo de busca unificada, havendo a necessidade de se fazer uma busca detalhada por cada projeto de pesquisa e curso ou pelo site das instituições de ensino.
Há muitas ocorrências com formatos diversos de extensão universitária, como ilustração cabe destacar algumas universidades: a UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais (Universidade Federal de Minas Gerais, 2023), a USP - Universidade de São Paulo (Batistoti, 2015) e a UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, 2024). Como outras universidades não listadas, as ocorrências de extensão universitária em Circo localizadas, aparecem entre as carreiras de Artes Cênicas e Educação Física.
Com este último levantamento percebemos que o Circo possui presença no nível superior e que o Circo aparece em pelo menos três grandes áreas do conhecimento: artes e humanidades; educação, saúde e bemestar e, que na extensão universitária, o Circo aparece majoritariamente nas carreiras em Artes Cênicas e Educação Física, carreiras também em áreas distintas do conhecimento de acordo com os parâmetros do Cadastro Nacional (Brasil, 2024a).
Apresentamos a seguir os principais autores que no presente momento alicerçam o marco teórico deste projeto de pesquisa em desenvolvimento, a partir da descoberta sobre a presença do Circo no recorte da extensão universitária, quando observamos o nível superior.
Marco Teórico
Mário Fernando Bolognesi, Simone Imperatore, Humberto Tommasino e Agustín Cano, são os autores iniciais deste marco teórico, Mário enquanto teórico do Circo e Humberto, Simone e Agustín com estudos sobre a extensão universitária no Brasil e na América Latina, a partir de uma perspectiva freiriana. Cabe antes a definição de extensões universitárias, de acordo com Resolução 7 do Conselho Nacional de Educação (CNE) que "Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira" (Brasil, 2018), entre outras medidas:
A Extensão na Educação Superior Brasileira é a atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se em processo interdisciplinar, político educacional, cultural, científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa. (Brasil, 2018, p. Art. 3º)
É válido também destacar sua relevância a partir da obrigatoriedade de carga horária, o mínimo de 10% da carga horária total da graduação deve ser destinada a extensões universitárias. Considerando que no Brasil o nível superior em Artes Cênicas e Educação Física (bacharelado em Teatro e Licenciatura em Educação Física por exemplo), podem apresentar currículo de 3.600 horas (Brasil, 2024a), 10% dessa carga horária seria o equivalente a uma especialização, 360 horas.
A seguir veremos um pouco mais sobre características e históricos do Circo e da extensão universitária a partir dos autores destacados, com o marco das ditaduras e seu impacto na educação superior.
Mário Fernando Bolognesi, artista circense e pesquisador, define o Circo como uma “linguagem multimídia” (Bolognesi, 2002), segundo ele, esse espetáculo de variedades, um encontro dos espetáculos equestres londrinos com as “variedades dos saltimbancos, dos artistas das feiras, dos ciganos, dos remanescentes da Commedia dell’Arte, de adestradores de animais domésticos e selvagens” (Bolognesi, 2018, p. 56) em Paris no século XVIII, “para além das habilidades” apresenta ao menos outros seis elementos:
[...] coreografia, música, indumentária, efeitos de luz, linguagem falada e animais selvagens. Se considerarmos que o espetáculo é antecedido pelas mensagens dos cartazes e da propaganda, então um oitavo elemento deve ser considerado. Todo esse complexo sustenta a concepção do circo como uma linguagem multimídia [...]. (Bolognesi, 2002, p. 3)
A partir dessa síntese, percebemos a multiplicidade de profissões que são necessárias para a consolidação desse tipo de espetáculo de variedades, refletida nas 22 profissões reconhecidas pela Lei 6533/1978, e a partir de sua gênese, abarcando trabalhadores de nacionalidades e classes sociais distintas, percebemos a complexidade cultural que determina esse modo de produção, dependente de muitos processos formativos.
Porém, se há uma matriz de sustentação do espetáculo circense, um alicerce que não pode ser superado, essa “matriz do circo é o corpo, ora sublime, ora grotesco”:
O treinamento milimetricamente projetado e executado pelo acrobata e o improviso dos palhaços trazem, de um lado, o esvaziamento da idéia de interpretação do ginasta e, de outro, a representação elevada ao seu mais alto grau de comunicabilidade, porque interage constantemente com a platéia. Nos dois pólos, contudo, o corpo humano coloca-se como fundamento, oscilando entre o sublime e o grotesco. (Bolognesi, 2002, p. 9)
O artista circense não interpreta, ele de fato realiza as proezas demonstradas ao vivo diante dos olhos do público, um domador de leões não interpreta, caso contrário seria devorado, “como espetáculo, representam aquilo que são” (Bolognesi, 2002, p. 5) contudo, como conta Bolognesi (2018) as grandes apresentações dos números com cavalos, colocando o corpo humano em estado sublime, representado por muito tempo, enfadava o público burguês da época, havendo a necessidade de intercalar com os números cômicos, que apresentavam uma outra dimensão do humano, “no sentido inverso ao do sublime os palhaços exploram o lado obscuro do corpo, aquela dimensão que o dia-a-dia almeja esconder” (Bolognesi, 2002, p. 6).
Podemos perceber dessa forma, relacionando com as descobertas iniciais, elementos coerentes para a ocorrência do Circo em carreiras distintas como a Educação Física e as Artes Cênicas, embora possam parecer alicerçadas pelo potencial pedagógico do Circo, o corpo sublime da ginástica na educação física e o corpo grotesco expresso no estudo das máscaras nas Artes Cênicas, por exemplo, devem ser considerados como elementos da matriz corpo, dentro da linguagem Circo, comumente presentes nessas graduações.
Ao percebermos os caminhos da política educacional brasileira durante o período ditatorial, podemos compreender alguns aspectos apontados por Kronbauer e Nascimento (2019) sobre a criação da Escola Nacional de Circo (ENC) em 1982, a partir de um longo processo, desde o anúncio de sua criação em 1977. Apesar da relação das famílias tradicionais de circo, com os governos, datar desde o período do Brasil colônia (Kronbauer & Nascimento, 2019), as autoras destacam neste período de reabertura democrática o forte investimento estatal na ENC e também na aprovação da Lei 6533/1978, as autoras enfatizam o interesse do Estado, no potencial de difusão cultural, em todo o território nacional, que os circos de lona proporcionavam, indo de encontro aos valores nacionalistas da época:
[...] identificamos alguns interesses do Estado brasileiro em apoiar e financiar o circo, como instrumento de disseminação ideológica para a instrução das novas gerações, que precisavam aprender a viver em uma sociedade capitalista, burguesa, prestes a se abrir novamente para a democracia. Ao mesmo tempo e, contraditoriamente, esse circo no qual se investia era também uma manifestação artística de grande potencial de recuperação da universalidade humana perdida nos processos de trabalho e nas liberdades cerceadas durante a ditadura. (Kronbauer & Nascimento, 2019, p. 696)
As autoras também demonstram, que em 1984 havia “forte presença militar e de ideais nacionalistas” em documentos oficiais da ENC, que apresentavam datas comemorativas como “o dia da bandeira” e frases de ordem como “exército, presença nacional”, “Liberdade, ordem e progresso” ou ainda “a lembrança da pátria nos une” (Kronbauer & Nascimento, 2019, p. 701). Como um grande meio de comunicação de massa, que carecia de apoio estatal, muito pelo declínio dos meios de produção das famílias circenses (Kronbauer & Nascimento, 2019), o Circo muito bem atendia à função de difusão dos novos valores culturais da abertura política da época, cujo objetivo, segundo as autoras era:
[...] criar formas de expressão que fossem aceitas sem críticas ou questionamentos, mas que, ao mesmo tempo, ensinassem os valores e a concepção de mundo propagados pela ideologia liberal: competitividade, sucesso conquistado pelo esforço individual, trabalho como valor máximo às classes subalternas, existência pautada no consumo em massa. (Kronbauer & Nascimento, 2019, p. 701)
Assim, neste contexto tecnicista de transmissão de conhecimento do período ditatorial, como veremos mais adiante, não é de se estranhar que a primeira escola nacional de Circo tenha se consolidado apenas em seu nível técnico, cenário como vimos, sem superação até os dias de hoje.
Passando brevemente pelo panorama histórico sobre as origens e desdobramentos da extensão universitária na América Latina, vamos abordar alguns aspectos convergentes, considerando as semelhanças do contexto Latino Americano, o que colabora para compreendermos o desenvolvimento da extensão universitária em seu contexto sócio-político-cultural, especialmente pela profunda relação com os movimentos estudantis e populares, e retrocessos na educação a partir dos períodos ditatoriais.
Sua origem revolucionária e o retrocesso das ditaduras
Tommasino e Cano (2016) apontam as origens do movimento extensionista na América Latina no início do século XX, no marco do Manifesto de Córdoba. Escrito em 21 de junho de 1918, durante a III Conferência Regional de Educação Superior realizada pela UNESCO, na província de Córdoba, Argentina (Rama, 2020) o manifesto revolucionário, que convocava os movimentos estudantis da América Latina, era assinado pela Federação da Universidade de Córdoba, um movimento estudantil organizado. O Manifesto denunciava as reformas liberalistas e o dogmatismo religioso que calava a ciência, apontando para uma educação superior onde as liberdades e a democracia, longe do paradigma religioso e dos conchavos políticos, precisavam ser horizonte de uma reforma revolucionária pela construção do pensamento científico. Rama (2020) em análise ao centenário do Manifesto de Córdoba, é categórico ao apontar sua importância nos movimentos reformistas da educação universitária a partir de então:
Desde aquel movimiento de Córdoba en la Argentina en 1918, que en la educación universitaria en América Latina levantó las banderas de autonomía, cogobierno y participación, hasta su actual centenario, se ha procesado una enorme transformación que tal vez haya construido en parte la universidad postulada por aquellos sueños, pero que hoy está inserta en un sistema de educación superior muy diferente. (Rama, 2020, p. 49)
Para Rama (2020, p. 49) “entre el movimiento de reforma de 1918 y los movimientos estudiantiles latinoamericanos de 1968”, as causas reformistas de Córdoba, se relacionam diretamente com as transformações políticas e institucionais, com mudanças na forma de gestão e um grande aumento da oferta de vagas nas universidades públicas da América Latina, insuficiente, mas com grandes mudanças de paradigma. Simone Imperatore (2019, p. 3), também destaca a importância do Manifesto de Córdoba, como o movimento que culminou na primeira reforma universitária “que defendeu a autonomia e o cogoverno universitários”, destacando também no Brasil, inúmeras iniciativas estudantis que problematizaram o papel das universidades.
Sobre a União Nacional dos Estudantes (UNE) no Brasil, Imperatore (2019) destaca a participação ativa na problematização da universidade brasileira, como quando realizam o I Seminário Nacional da Reforma Universitária (1961) denunciando que “a universidade brasileira carece de reformas, pois ainda falha em suas missões cultural, profissional e social” (Imperatore, 2019, p. 21), tal Seminário nacional teve mais duas edições, sendo interrompido a partir do golpe militar de 1964. Imperatore (2019, p. 61) também é categórica ao afirmar que de “1937 ao final da década de 50, as atividades extensionistas foram lideradas pelo movimento estudantil, por meio da participação acadêmica na vida social, promoção de uma educação crítica e de ações de emancipação popular”, pontuando a importância dos movimentos estudantis no desenvolvimento da extensão universitária no Brasil.
Neste contexto, “coerente com o movimento estudantil da América Latina daquele período” (Imperatore, 2019, p. 161), a autora aponta que a atual conotação que se dá à palavra extensão “é de processo de mudança e difusão cultural e compromisso da universidade com a sociedade, sob a perspectiva de uma universidade a serviço do povo”(Imperatore, 2019, p. 161). Segundo Tommasino e Cano (2016):
La concepción extensionista crítica es de algún modo tributaria de los procesos emancipatorios de América Latina vinculados fundamentalmente a los movimientos obreros, campesinos y estudiantiles. En los planos pedagógico y epistemológico, está vinculada a las concepciones de educación popular e investigación acción participación que, desde la obra señera de autores como Paulo Freire y Orlando Fals Borda respectivamente, surgieron al calor de las luchas sociales del continente en la segunda mitad del siglo XX. (Tommasino & Cano, 2016, p. 14)
Os autores uruguaios também destacam a importância de outros movimentos emancipatórios como o dos trabalhadores e camponeses que em um contexto macro Latino Americano conceitualizam a extensão universitária, sendo importante destacar as origens da extensão, ou outras formas de nomeá-la, de caráter revolucionário, popular e democrático, apontando as extensões como ferramenta desse processo emancipatório do povo. Considerando sua origem entre os movimentos estudantis e trabalhadores organizados, não é de se estranhar a ruptura conceitual nas políticas públicas de educação desenvolvidas durante os períodos ditatoriais, que perseguiram e criminalizaram esses movimentos em quase todo território Latino Americano a partir da década de 1960.
A queda dos sistemas democráticos na América Latina, em um contexto de Guerra Fria no hemisfério norte, impacta todas as áreas de organização da sociedade, na educação de forma significativa, não apenas na descontinuidade das políticas públicas, mas também na perseguição de intelectuais e na proibição dos movimentos estudantis:
Em 1964, com o golpe militar, assume a presidência da república o Marechal Castelo Branco, que inicia uma implacável perseguição aos movimentos sociais incluindo o movimento estudantil, que tem suas principais lideranças presas ou exiladas, desorganizando momentaneamente os estudantes. [...] Com a edição do AI-5 – Ato Institucional n.º 5 em 13 de dezembro de 1968, o Congresso Nacional é fechado, e há um aumento da repressão e da censura. Com a configuração deste quadro os estudantes se mobilizam e partem para a luta armada. Assim como a UNE, a UBES, os Grêmios Estudantis foram fechados. (Scorsoline et al., 2006, p. 3)
A partir do AI-5, a fuga dos cérebros neste período, culmina em grande atraso para se estruturar uma educação mais crítica, Paulo Freire (1921-1997) exilado por 16 anos, passa a disseminar sua perspectiva democrática para a educação em outros idiomas e países, ao escrever em 1996 sobre uma pedagogia para a autonomia, converge categoricamente com a perspectiva democrática apontada pelo Manifesto de Córdoba (1918), segundo Freire (2014) para uma educação progressista é fundamental uma educação democrática, onde o conhecimento científico deve ser produzido em um profundo processo de diálogo e escuta, onde as ideologias dogmáticas não podem estar acima do conhecimento científico. Para Freire (2014) não há educação fora do ambiente democrático.
Neste contexto de perseguições e de um novo paradigma nacionalista para a educação, Imperatore (2019, p. 62) aponta que não havia uma normatização específica no Brasil para a extensão universitária de até então, embora muito debatida, ainda aparecia de forma vaga sem compromissos significativos, quando em 1968, a partir do Decreto-Lei n.º 62.927 é instituido “o Grupo de Trabalho do Projeto Rondon" que tinha como definição a promoção da "participação acadêmica na integração nacional por meio de serviços de desenvolvimento, da interiorização da universidade e da preparação do universitário para o exercício da cidadania”, segundo Imperatore (2019, p. 62), mais uma ação de “recrutamento” de estudantes, fora da relação ou temática universitária, se tratando de um projeto “esporádico, descontínuo e assistencialista”, constatando que “novamente a extensão resume-se a atividades não universitárias e os chamados serviços de desenvolvimento seguem a modelos observados” em países europeus e norte americanos, modelos desenvolvimentistas e tecnicistas de países capitalistas, estrategicamente elaborados para países subdesenvolvidos (Imperatore, 2019, p. 62).
A partir dessa contextualização dos impactos da ditadura, retomamos os estudos de Tommasino e Cano, que nos ajudam a compreender as principais características de modelos de extensão que se aplicam nesse período, principalmente na América do Sul. Tommasino e Cano (2016) percebem a predominância de dois modelos de extensão, a Extensão Crítica e a Extensão "Difusionista-Transferencista" e embora a segunda seja predominante no século XX, principalmente nas décadas de 1950 e 1960, Influenciada pelo positivismo e pelo modelo de desenvolvimento linear, ambas coexistem até os dias de hoje, porém por sua predominância no Brasil no período militar, como pudemos observar com o exemplo do Projeto Rondon, vamos à suas principais características, que segundo Imperatore (2019) precisam ser superadas ainda nos dias de hoje.
A Extensão "difusionista-transferencista"
Este modelo de extensão enfatiza a transferência de conhecimento técnico e científico da universidade para a sociedade, ele é tido como um instrumento de modernização e desenvolvimento social e transmissão de valores culturais (Tommasino & Cano, 2016). Neste modelo o extensionista, ou seja, o estudante do programa de extensão, seria um tradutor da sociedade, levando os conhecimentos acadêmicos para a população, se aproximando de práticas mais assistencialistas do que de pesquisa, sem se preocupar com a construção de relações dialógicas e transformadoras. Tommasino e Cano (2016) apontam o exemplo da corrente de difusão de inovações no meio agrário, focando na adoção de tecnologias por parte de comunidades rurais, sem questionar as estruturas de poder que geram desigualdades, “en esta perspectiva no se hace hincapié en el tipo de vínculo que se genera a la hora de la interacción con los diferentes sectores de la sociedad, sino en su finalidad difusionista última” (Tommasino & Cano, 2016, p. 13).
Assim o modelo disfusionista ignora a necessidade de mudança social e política para superar os problemas da sociedade, reduzindo o papel da universidade a um mero transmissor de conhecimento técnico. Segundo os autores (Tommasino & Cano, 2016) é apenas a partir dos anos de 1980 que novos horizontes apontam para a retomada do debate para a extensão crítica na América Latina. Período de abertura democrática, com a criação de novas constituições federais, traçando novos rumos para a educação no território.
Extensão crítica
Tommasino e Cano (2016) destacam que a partir do fim das ditaduras militares na América do Sul, em particular na Argentina, Brasil e Uruguai entre os anos de 1983 e 1985:
las universidades públicas retomaron el camino histórico de la autonomía y el cogobierno de su tradición reformista latinoamericana. En este marco, tuvieron nuevo impulso los procesos de interacción con el medio y la extensión universitaria. Desde ese momento y hasta la actualidad, fue emergiendo una variada gama de propuestas extensionistas, de gran amplitud y diversidad. (Tommasino & Cano, 2016, p. 10)
Tommasino e Cano (2016) afirmam que a extensão crítica, fundamentada por movimentos revolucionários e Influenciada por pedagogias como a de Paulo Freire, embora seja forjada já antes do período ditatorial, e coexista hoje com outras formas, retoma neste período de abertura, seu potencial como modelo de extensão oficializada pelos estados democráticos. Segundo os autores (Tommasino & Cano, 2016) o modelo enfatiza a construção de conhecimento a partir do diálogo entre saberes acadêmicos e populares, como um processo educativo e transformador que valoriza a participação social e a emancipação dos indivíduos, buscando transcender os modelos meramente tecnicistas e assistencialistas, Tommasino e Cano (2016) destacam experiências como a criação de universidades populares e rurais na América Latina e projetos de desenvolvimento comunitário.
Para além das conquistas no entrelaçamento do currículo e pesquisa universitária, os autores enfatizam o profundo viés humanizador desse modelo:
[...] a extensión como proceso educativo y transformador en colaboración con los sectores sociales que sufren procesos de postergación, exclusión, dominación y/o explotación, permite que los estudiantes puedan evidenciar y vivenciar estas problemáticas, que en muchos casos no conocen fruto de su propia extracción social (la mayoría de los estudiantes universitarios pertenecen a las clases medias o altas). (Tommasino & Cano, 2016, p. 15)
Em sua pesquisa, Imperatore (2019) descreve a evolução dos critérios e características da extensão universitária no Brasil, que passam a ser amplamente problematizados nos espaços de participação social que começam a se estruturar de forma continuada, retomando o que seria o modelo de extensão crítica abandonado na ditadura. Nesta evolução, a partir da autora, podemos destacar os últimos conceitos trabalhados nos anos finais da esperada normatização nacional:
2014 – A extensão, ação acadêmica contributiva da formação profissional, construção e difusão do conhecimento, que amplia a participação do estudante na implementação das políticas públicas brasileiras, expondo-o ao diálogo com a sociedade diretamente implicada em suas ações, deve ser reconhecida e legitimada como tal.
2015 – Extensão como processo de aprendizagem integrado ao currículo e articulado à pesquisa, Curricularização. (Imperatore, 2019, p. 170)
O acúmulo desses debates, e tantos outros documentos estruturantes, como os da criação da constituição democrática brasileira de 1988, consolida dois documentos, segundo Imperatore (2019, p. 2), alicerces para a regulamentação da extensão universitária no Brasil para os dias de hoje, com seus critérios expressos pela “[...] Lei n. 9.394/1996 (LDB) e pela [...] Lei n. 13.005/2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação (2014-2024)”. Porém como ressalta Imperatore (2019), os critérios unificados, principalmente do processo de curricularização, ou seja, a prática efetiva do diálogo entre currículo da extensão e currículo da graduação, não possuíam um contorno preciso, conduzindo o desenvolvimento das práticas extensionistas “segundo interesses exclusivos das diferentes naturezas de instituições de ensino superior do país” (Imperatore, 2019, p. 3), tais critérios unificados são apontados apenas a partir da Resolução 7 do Conselho Nacional de educação no ano de 2018 (Brasil, 2018), ainda com atrasos de implementação em decorrência do período da Pandemia da Covid 19. Vejamos, portanto, quais são os desafios da curricularização.
Curricularização da Extensão Universitária
Tommasino e Cano (2016) destacam que a “curricularização da extensão" ou "integralidade das funções" para alguns autores, no final da primeira década de 2000, em países como Uruguai e Argentina, já apontavam no sentido de extensão universitária que recuperasse a ideia de articular as funções de ensino, pesquisa e extensão. No Brasil, segundo Imperatore (2019) o neologismo “curricularização da extensão”:
relaciona-se à estratégia 12.7 do Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em junho de 2014 (BRASIL, Lei 13.005, 2014), que dispõe acerca da integralização curricular dos cursos de graduação a partir de programas e projetos de extensão em um percentual mínimo de 10% de suas matrizes. Portanto, para se compreender a finalidade de curricularizar a extensão é imperativo correlacioná-la à meta 12 que objetiva democratizar o acesso à educação superior, com inclusão e qualidade, prioritariamente dos jovens de 18 a 24 anos. (Imperatore, 2019, p. 154)
Como vimos anteriormente, a Extensão na Educação Superior Brasileira está em "articulação permanente com o ensino e a pesquisa" (Ministério da Educação, 2018, p. Art. 3º), devendo ser interdisciplinar, cumprindo um papel importante de transformação e interação com a sociedade, desafio que Simone Imperatore (2019) problematiza ao ressaltar a necessidade de uma universidade reformada pois:
continua omitindo-se quanto à compreensão da problemática do homem em sua dimensão integral, como um ser historicamente datado e socialmente situado; descumpre sua missão profissional dado o caráter formalista, instrumental e dissociado da realidade de sua proposta de formação e, ademais, fracassa em sua missão social de democratização da educação superior. (Imperatore, 2019, p. 21)
Podemos perceber desta forma os desafios da aplicação efetiva da extensão universitária crítica, com certo atraso em relação a outros países como Argentina e Uruguai, porém, com critérios nacionais definidos a partir de 2018, o efetivo processo de curricularização ganha contornos unificados que podem ajudar a estruturar extensões que fujam do modelo "Difusionista-Transferencista", enraizados em décadas de retrocesso da ditadura.
Conclusão
Percebemos com esse desfecho, que estamos neste exato momento em um período de “janela de oportunidades”, com marcos regulatórios da educação e dispositivos de participação da categoria circense, com a recriação do Ministério da Cultura no Brasil em 2023, para a retomada de um debate suspenso desde quando Educação e Cultura formavam um mesmo ministério, instituindo as primeiras escolas de nível técnico em Circo nos anos finais da ditadura militar no Brasil. A partir do problema disparador - A ausência da graduação em Circo no Brasil - percebemos com os dados levantados, que não se trata de uma ausência total da formação em Circo no nível superior, mas um não lugar, ou uma diversa determinação da sua área de conhecimento, que se mostra insuficiente.
Ao nos debruçarmos sobre normativas como a Lei 6533/1978 e a Classificação Brasileira de Ofícios (CBO), podemos perceber um cenário amplo de artistas e técnicos com pelo menos 22 especificidades de profissionais, que atuam em ambientes diversos demandando um complexo panorama de formações. Cenário profissional que não encontra respaldo formativo quando pesquisamos em catálogos e plataformas do Ministério da Educação. Em todo território nacional encontramos apenas sete ocorrências do nível técnico, sem nenhuma oferta nas regiões norte e nordeste, com currículo voltado apenas às profissões artísticas, sendo o estudante que deseja se graduar no nível superior, direcionado a carreiras de áreas distintas como cênicas, de esportes ou de produção cultural.
Sem ocorrências na graduação, com ínfimas ofertas na pós-graduação, encontramos, apesar da falta de um cadastro unificado, diversos programas de extensão universitária que possuem o Circo como complementação da grade curricular, apontando a extensão como um possível caminho de pesquisa de campo, considerando as novas normativas brasileiras que potencializam o impacto da extensão universitária em bacharelados e licenciaturas. Porém, mais uma vez, esse cenário apresenta o Circo alocado em áreas distintas, como Artes Cênicas e Educação Física. Com o marco teórico, Mário Bolognesi (2002 e 2018) nos ajuda a compreender esse caráter multimídia do Circo, o que justifica a diversidade de profissionais necessários e sua complexidade formativa, mas é a partir de sua definição de Sublime e Grotesco, como ambivalências do corpo na matriz fundamental da linguagem Circo, que compreendemos como o Circo pode se apresentar curricularmente nas áreas distintas das Artes Cênicas e Educação Física.
Quando nos debruçamos sobre a pesquisa de estudiosos como Simone Imperatore (2019), Humberto Tommasino e Agustín Cano (2016), descobrimos que a extensão universitária é concebida no marco de processos revolucionários na América Latina, com participação ampla de movimentos emancipatórios e que muitos retrocessos interromperam esse desenvolvimento de uma Extensão Crítica normatizada, com o advento das ditaduras militares que se espalharam pela América Latina a partir da década de 1960, fazendo predominar o modelo de Extensão "Difusionista-Transferencista", que se aproximava dos ideais nacionalistas e tecnicistas da época copiando modelos de outros continentes. Quando Kronbauer e Nascimento (2019) destacam a criação da Escola Nacional de Circo (ENC) em 1982, em um período de transição democrática, percebemos uma valorização do Circo, no reconhecimento da profissão e no fomento à educação, porém, marcado pelo paradigma nacionalista e tecnicisa da época, não tivemos até os dias atuais uma superação do nível técnico para o nível superior.
A partir destes estudos iniciais sobre o panorama formativo em Circo no Brasil e a descoberta de sua maior incidência dentro dos programas de extensão universitária, a curricularização da extensão universitária se destaca como a categoria conceitual de observação desse projeto de pesquisa, ao apresentar a partir de 2018 (Brasil, 2018), uma resolução específica, acercando a extensão brasileira aos conceitos de Extensão Crítica valorizados pelos autores aqui presentes. O projeto que se direciona à uma pesquisa de campo, deve observar esse fenômeno de ocorrência do Circo nas graduações de Educação Física e Artes Cênicas, a partir de sua articulação curricular, a fim de colaborar com estudos e demandas da categoria circense que problematizam a ausência da graduação do Circo no Brasil.
Referências
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[1] Mestranda em educação; artista circense; pós graduada em políticas públicas culturais de base comunitária (Flacso). E-mail: phav.cultura@gmail.com. ORCID: 0000-0002-5774-4508